segunda-feira, dezembro 28, 2009

Voz

estudo para aquarela/ rafael godoy

ecoa em mim
a voz do meu coração
estranha voz
aguda e rouca
úmida e serena
voz de sonhar e gritar
todas as palavras
tudo que esteve contido
nas cavernas mais distantes
e silenciosas de mim

( poeminha que deu nome ao meu blog)


Meu blog tava com problemas. Não conseguia acessá-lo nem o blog de muitos. Só agora consegui. Amanhã vou viajar e não sei quando volto. Encerro então por esse ano com a notícia feliz de que Mário Bortolotto teve alta. Isso é uma grande notícia! Dá pra fechar o ano mais feliz.

A todos vocês que sempre passam por aqui só posso agradecer e desejar um 2010 mais doce e com mais paz. Quando voltar atualizo minhas leituras. Vou ficar com saudades. Beijos.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Recado ao Noel

desenho e texto de guga shultze

Ei, Santa. Mantenha essas renas longe do meu telhado. Vai me quebrar todas as telhas e, depois, quem é que vai pagar o estrago, heim, heim? Pare de atormentar as criancinhas com sua inexplicável obssessão pelo vermelho. Cê é algum raio de comunista ou o quê? Que que cê come lá no Polo Norte para ser tão gordo? Tá precisando de um regime, véio. Que que é rou, rou, rou? Isso é uma risada ou uma ameaça? Sai pra lá, chulé; vê se larga do meu pé.
PS: cê vai trazer presentes? Pra mim? Então me manda os anos 70 de volta e algumas pessoas que ainda tavam lá. Depois a gente conversa.

Com esse texto do Guga Shultze me despeço de vocês, volto em janeiro. 2010 está aí e que ele seja bem melhor que o 9. Agradeço a todos que marcaram presença em meu blog e que fizeram e fazem a diferença. Beijos.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

véspera

desenho de carcarah

de noite veio um bêbado
andando no meio da rua escura e chuvosa
trombou numa árvore enfeitada de luzes de natal
ficou olhando aquela coisa iluminada
sentado na calçada com a garrafa em suas mãos
pensou que tivesse em outro país
começou a cantar em inglês uma velha canção
viu neve onde havia chuva fina
um cão perdido de rua era sua rena
adormeceu sorrindo
e de manhã já era natal

(republicado)

domingo, dezembro 13, 2009

quando a escuridão

desenho de carlos carah
a luciano fraga


quando a escuridão parece mais escura que é
e você está no meio do mar em um pequeno bote
vê uma mancha preta maior que a escuridão
pensa que não haverá mais jeito
desta vez não tem saída
então olha para cima e não vê estrelas
olha para baixo as águas são geladas e negras
você ali no pequeno bote
no meio daquele oceano imenso e gelado
sem tempo sem brisa sem cor sem som
e aparecem uns olhos esverdeados
que brilham e não são estrelas
são maiores que a escuridão e o frio
e você se agarra a eles a seu brilho
você acorda em sua cama e uns olhos verdes escuros
mais escuros que aquelas águas te olham
então você dorme e quase sonha e quase se aquece
e quase pensa que está salvo


(poema originariamente publicado no blog versos e perversos de luciano fraga )

domingo, dezembro 06, 2009

hoje tem!

Pessoal, hoje é meu dia no poema dia. Quem quiser conferir é só clicar aqui. Beijos.

Mário Bortolotto


Hoje estou triste, muito triste. Bortolotto foi assaltado e levou três tiros, quando bebia com seus amigos, após a peça "Brutal" de sua autoria, no Espaço Parlapatões, na Praça Roosevelt, São Paulo. Tive a oportunidade de assistir a essa peça e conhecê-lo há pouco tempo pessoalmente. Acompanho seu trabalho e sou sua fã e foi com tristeza que soube dessa notícia. Já foi submetido a algumas cirurgias e seu estado é muito grave. Agora é só torcer muito. Por coincidência, tinha feito um poema pra ele, enviei por e-mail e ele publicou em seu blog dia 3/12.:

"E falando em rapaziada que vale a pena, a Adriana Godoy lá de BH (que sempre comenta aqui e que eu conheci pessoalmente há pouco tempo quando esteve por aqui assistindo "Brutal") escreveu um poema pra mim. Eu gostei. Fiquei lisonjeado, aliás. E gostei principalmente da parte dos anjos velando. Tô precisando disso. Ela escreveu assim:

Bortolotto, estava dando aula agora e o assunto era escrever um poema sobre alguém, tipo uma biografia. Então, enquanto os alunos estavm escrevendo, sem querer fiz isso sobre você. Não me leve a mal, mas saiu de um fôlego só. Sei que não tá legal, meio didático, não é muito meu jeito, mas resolvi te enviar assim mesmo. Beijo.

meu querido outsider

ele vem de coturnos com os cadarços desamarrados
a camisa grande com as mangas maiores que os braços
uma camiseta por baixo
um quase sorriso e um jeito tímido e forte

o dia é feito de ressacas e de um computador
quando calor demais liga o ventilador
e as ideias se espalham em textos únicos e mágicos

a noite chega e ele sai à caça de bebidas e de possíveis amigos
ou joga bilhar com homens e mulheres
e não duvida que pode ter brigas e pode brigar
mas agora prefere desativar bombas
e ficar mais leve um pouco

o rock e o blues estão em suas veias
como as palavras para um poeta
a voz rouca combina tão bem com o uísque que toma
e com a música que canta
que se tornam indissolúveis

escreve como quem enxerga os subterrâneos humanos
nos seus mais obscuros infernos
e deixa a solução na alma de cada um
encena e traduz a angústia de diversos personagens
mas traz em si as angústias da humanidade

encanta por ter um coração de menino
por gostar de lutas e de filmes b
de revista de mulher pelada
de comer coxinha de madrugada

de ver as séries na tevê

de ouvir mp3 num canto qualquer e ficar só

de conversar com os mendigos e perdidos da cidade
enquanto estudantes estão indo pra escola

ver o sol nascer pode lhe dizer
pra voltar pra sua quitinete
e tentar dormir o que a noite não deixou

então sonha, menino, tá tudo certo

no meio do caminho pode ter um bar

e mulheres e amigos que te esperam

os anjos te velem e digam amém

(Adriana Godoy)

Valeu, Adriana, que os anjos cuidem mesmo de todos nós. E que eles sejam mais bacanas que os fdp do "Supernatural", né? Mário Bortolotto"

segunda-feira, novembro 30, 2009

dessas noites em que estava lavando pratos

estudo desenho/ rafael godoy


o detergente faz espuma na pia
os pratos ficando limpos no escorredor
os pensamentos sujos quero um cigarro
uma música um blues o céu escuro
meus gatos escondidos em silêncio

duas taças de vinho quase cheias
os pés no chão e pálidos
uma janela uma luz acesa do outro lado

as garrafas de vinho abertas e vazias
leio os rótulos e penso num poema
um inseto esquisito vindo de outro lugar
voa em torno das garrafas vai até a luz e volta
o tempo não tem pressa meus olhos o seguem

os pratos vão ficando limpos
as panelas ficam pra depois

pego uma taça e dou um gole
acompanho o blues num inglês ruim

o inseto se vai e bebo mais
olho a noite escura os pratos brancos
alguém me espera no sofá

estranho pensar no abandono de toda ambição

quarta-feira, novembro 25, 2009

hoje tem!!

Pessoas queridas, hoje tem um poema meu no Maria Clara Simplesmente Poesia. Não é inédito, mas se quiserem conferir é só clicar AQUI. Beijão.

quarta-feira, novembro 18, 2009

apelo

estudo para tela/ desenho de mulher/ rafel godoy

traz para mim os dias que não vivi
todas as noites perdidas
e o sorriso que não tenho mais

vai lá e busca o que me cure
sem que doa ou que arda
apenas que alivie

encontre o que deixei cair na estrada
os poemas esquecidos nas gavetas
e as músicas que não ouço mais

molhe os pés no mar
porque aqui só há montanhas
e jogue uma flor pra iemanjá

deixe seu cheiro espalhado
compre uma garrafa de champanhe
velas amarelas e incensos de baunilha

estou aqui do outro lado e juro
tem uma lua enorme no céu da cidade

segunda-feira, novembro 16, 2009

A noite de Heitor

rafael godoy

De algum lado da cidade vinha um frio estranho para essa época do ano. Heitor abriu a janela, a pequena janela do seu quarto fedido e imundo. Colocou o rosto para fora e sentiu um vento meio de lado, que não parecia pertencer àquele lugar. Olhou para cima, para baixo, para os lados e viu que não tinha ninguém nas outras janelas, só ouviu um ruído, quase como um sopro. Lembrou-se da noite que tivera com uma mulher. Uma noite quente, extremamente, quente.. Os lençóis estavam fora do colchão, e havia restos de uísque nos copos, pontas de cigarro nos cinzeiros e um cheiro de quase morte. No chão, além da calça jogada , um batom sem a tampa, um papel de chocolate. Ao entrar no banheiro, notou que o gás estava ligado e que a água do chuveiro caía continuamente sobre o azulejo. Fechou a torneira, o vapor condensava-se no espelho da pia. Heitor passou a toalha no espelho e o que viu o assustou. Era um outro homem o que estava ali: os olhos vermelhos, a pele envelhecida, o cabelo desarrumado, a barba por fazer. A última imagem que tinha de si não era essa. Pegou o aparelho de barbear, ensaboou o rosto e fez a barba. Entrou debaixo do chuveiro e ficou algum tempo se limpando com o sabonete de erva-doce que alguém havia lhe dado. Enxugou-se com uma toalha limpa. Vestiu uma calça jeans, uma blusa branca e saiu do quarto. Ao abrir a porta da sala, notou um bilhete debaixo da porta. Era dela, de Valeska, a mulher da noite. Uma lufada de ar gelado rompeu pela porta e o envolveu. Ficou ali parado, olhando o vazio do corredor.


segunda-feira, novembro 09, 2009

hoje tem!

Ei vocês! Hoje tem poema meu no poema dia.
Se quiserem conferir é só clicar AQUI. Beijos.

sexta-feira, outubro 30, 2009

sympaty for the devil

exercício para tela / rafael godoy

mais uma vez ouvi a música dos stones "sympaty for the devil" e sempre me surpreende a letra, o ritmo, a melodia. acho que foi no final da década de 60 ou início dos anos 70, não sei, que eles tocaram pela primeira vez.
de certa forma foram precisos na definição de lúcifer, hoje reencarnado na figura desses caras donos do mundo, nos assassinos ou no vizinho da frente.
andamos correndo de nós mesmos, andamos correndo do demônio que está mais em nós do que em outras pessoas, andamos nas ruas com o medo nos rondando e com medo de olhar nos olhos dos meninos ou de qualquer pessoa que nos mostre a diferença ou o espelho.
e isso a cada dia, a cada hora, a cada minuto.
lúcifer, simpático e garboso em sua sedução, em sua gentileza.
ele me estende a mão e sempre que posso a aperto com força.
quero o seu poder, a sua indiferença; quero o prazer, o deleite, a luxúria.
e ele vai me seduzindo e seduzindo tantos outros. vendo a minha alma. ele é o deus eterno presente em todos os tempos. poucos sabem reconhecê-lo verdadeiramente. poucos sabem o seu verdadeiro jogo. eu sei. e tenho prazer em conhecê-lo.

"pleased to meet you, hope you guessed my name"... Is just the nature of my game"...

o vídeo está aqui




quarta-feira, outubro 28, 2009

Tem poema meu!

Gente, tem um poema meu no Maria Clara Simplesmente Poesia. Para conferir é só clicar aqui.
Beijos.

sábado, outubro 24, 2009

atrás da árvore

aquarela/ paisagem/rafael godoy
você, amor, escondeu-se atrás da árvore
aquela que subíamos quando crianças

você disse que nunca cresceria
e como peter pan na terra do nunca
nunca me deixava sem o seu pó mágico

voávamos sobre as cidades
entrávamos por todas as janelas
ríamos e chorávamos indivisíveis

eu era sua fada e você meu encantador
inventávamos o mundo
para que ficássemos juntos

as suas mãos me ensinaram
as melhores brincadeiras

juramos amor eterno
e gravamos dois nomes
em um coração amarelo
no galho mais alto e escondido

agora te vejo, amor
atrás da árvore
atrás do que fomos
atrás do que perdemos


quarta-feira, outubro 21, 2009

filhos na noite

imagem google

irmãos na noite espalhados
na casa da velha mãe
hoje não é festa, não é aniversário
e surge a pergunta mortal
quem vai ficar com ela?

como se ela não pensasse
como se ela fosse a carga mais pesada

a mãe poderosa e infalível
mergulha nas suas sombras
nos seus medos e sofre

por que meus filhos estão aqui?
queria afagá-los e tirar deles todo sofrimento
queria carregá-los no colo
queria alimentá-los e enchê-los de alegria

os filhos como morcegos agitados
começam a se debater
quem vai ficar com ela, a mãe?

uns esbarram as asas frágeis nos outros
uns tentam perfurar o coração dos outros
uns se acham insubstituíveis, infalíveis
são líderes, poderosos, ou mais sábios
outros apenas ouvem calados o que se fala

e no fundo do corredor, em seu quarto,
a mãe adormece, preocupada com suas crias

o cansaço da vida faz doer o seu corpo
as suas pernas são quase inúteis
e no seu peito o coração metálico
marca os seus passos dia a dia

e nessa noite ela sonha
sonha com a família em volta da mesa
as conversas intermináveis,
os risos, as piadas, as brigas, a comilança
seus filhos não cresceram tanto
e o seu velho companheiro ainda esta lá

nessa noite, ela sonha

os morcegos, suas crias, levantam voo
cada um com a sua culpa, cada um com o seu pecado

imaginam que poderiam cantar uma canção
que embalasse o sono de sua mãe
essa mulher que tanto sugam, que tanto amam
que tanta admiração causa
que guarda tantos segredos

mas não sabem como
e choram
suas asas pesam
como se carregassem a humanidade inteira
como se já estivessem definitivamente
presos em suas cavernas mais escuras

(republicado)

domingo, outubro 18, 2009

cenas de parede


quando uma lagartixa deslizou
nas pálidas paredes
e mostrou seu ventre transparente

quando um inseto noturno
desses que voam
entrou e mexeu suas pobres asas

percebeu o olhar parado
frio e mortal daquele ser esbranquiçado
e se debateu loucamente

por uma única vez olhou a lua
e viu nos olhos da mórbida lagartixa
o mesmo brilho

foi devorado lentamente
inexoravelmente


sábado, outubro 17, 2009

quando vim ontem pela rua

desenho de carlos carah

quando vim ontem pela rua vi um cachorro morto. fiquei olhando para ele imaginando como teria sido a sua vida de cachorro. então lembrei da minha vida e vi que não era muito diferente.me vi morta com a cabeça no passeio e o resto do corpo na rua. imaginei outro cachorro me cheirando com o focinho frio e o bafo quente. vi que ele saiu correndo, como quem corre do diabo.


sábado, outubro 10, 2009

na praça


no caos de minha cidade às seis da tarde não tinha mais nenhum pardal. nem que eu olhasse todos os fios, todas as eiras e beiras e procurasse no meio da praça não tinha nenhum pardal e fiquei perdida olhando para aquilo tudo. passou um cara pedindo pra engraxar meus sapatos e eu estava descalça porque fazia calor demais e a primavera tinha começado. mas ele insistiu e eu disse: hoje não dá, cara! então dei umas moedas pra ele e falei que o fim de tarde estava estranhamente belo, mesmo sem os pardais. o cara me abriu um sorriso dos mais lindos que já vi, saiu rápido e trouxe algumas latas de cerveja gelada e ficamos conversando sobre a cidade e o por do sol. os pardais foram chegando um a um e ficaram ali como se entendessem nossas palavras e como se pressentissem essa possível e intensa primavera.

PS: Tem poema meu no Balaio Porreta, aqui.

quinta-feira, outubro 08, 2009

tem poema meu de novo!

Pessoal querido , só pra não perder o costume, tem um poema meu lá no poema dia. Se quiserem conferir é só clicar aqui..Beijos.

terça-feira, outubro 06, 2009

sem noção


Não sei em que apuros me meti, mas quando vi você com essa cara linda e máscula sob a luz dessa lua cheíssima, pulei em seu pescoço e dei o maior, mais sensual e mais gostoso beijo da minha vida. Pena que sua mulher estava do lado.

quarta-feira, setembro 30, 2009

poema meu

Ei, meus queridos e estimados leitores.
Se quiserem conferir, tem um poema meu AQUI.

Beijos.

domingo, setembro 27, 2009

ora direis

imagem google: fonte desconhecida

Havia 25 milhões de estrelas aquela noite. Foi o que consegui contar. Apertava meus olhos com força para ver se não estava imaginando coisas. Mas não adiantava. Elas se mexiam. Na minha visão míope pareciam bailarinas ensandecidas. Era como me presenteassem com uma dança meio triste, meio azul. As estrelas falavam. O Bilac não saía de minha cabeça: " Ora direis ouvir estrelas, certo perdeste o senso"... E eu as ouvia sim, nitidamente, intimamente. E com medo de mim, fechei a janela. Mas pela fresta, ainda percebia um movimento silencioso daqueles olhos brilhantes, daqueles milhões de olhos brilhantes me olhando.

terça-feira, setembro 22, 2009

chamado

gravura no metal/ rafael godoy

imagino-te louco lobo devasso
quando chega a noite e a lua entretanto
cordeiro manso e frio na cama

me pego então a contar estrelas
no céu da boca a língua saliva
febre insana no corpo que treme

na rua lobos me chamam
estou pronta para saltar os muros
e atravessar paredes

sexta-feira, setembro 18, 2009

sem assobio


tenho que te dizer hoje que a lua está lá, linda, imensa.
as palavras agitam a minha cabeça.
não se encontram.não são amigáveis.
uma garrafa com café já velho, um cigarro pra acender.
essa tela brilhante do computador, a minha lua.
nessa noite os gatos estão em silêncio.
um assobio calmo e afinado destoa-se do resto da cidade.
é esse assobio que me faz pensar.
o homem do assobio não sabe que olho para ele da minha janela.
não sabe a força de seu assobio.
não sabe que sua paz incomoda.
penso um jeito de parar com isso.
assim a música acabaria.
assim tudo ficaria igual.
sem assobio, sem nada.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Constatação

É foda.Tem dia que a gente acorda e pensa: Que merda é essa? E não tem mais saída. O dia continua sendo uma merda. A noite, uma merda. E você dorme e pensa: amanhã vai ser melhor. Acorda e tá tudo uma merda de novo.

quarta-feira, setembro 16, 2009

na segunda manhã

(texto de Danilo de Abreu Lima, dando continuidade ao meu outro texto: "na primeira manhã")

“O inferno era agora, finalmente o diabo tinha vencido. O inferno era agora, finalmente o diabo tinha vencido.”

...e assim, perdivagando nesses pensamentos endemoniados acabei dormindo e o dia se esvaiu assim meio perdido aturdido no centro daquele ciclope daquele som de cabeças sendo cortadas pauleira desdentando bocas e esfacelando crânios e eu a pensar meu deus que poderá ainda vir meu deus meu deus por que tanta doideira numa só tacada será que você já está antecipando o fim eu penava e lembrava o inferno de signos de Pasolini se bem que era muito mais amador e cheio de humor do que esse: esse som( não música, som) ensurdecedor, é foda agüentar esta zuera,mano! E assim eu acabei caindo num sono meio azucrinado sonhando pesadelos acordado viajando nas ondas do inferno e vendo os diabinhos gargalhando lá no fundo do quadro. Perdivagava assim vagabundo na vagazona do entrevigília e sonho e de repente acordei...já não era mais quele dia tinha passado a noite e já era outro dia e já era a manhã do segundo dia... e eu abri a janela, desconfiado, descerrei a persiana devagar como quem não quer nada como caramujo saindo do caracol para se esbaldar na luz do sol e e não houv-ia mais aquela coisa aqueles baticuns aqueles tuntistuntunnnn malditos...ah, havia um solindo lá fora e ...nem entendi ou não acreditava: havia vivaldis sinfônicos voando no ar, eram a primavera o verão o outono e o inverno todos juntos em doces sons que se amalga-amavam nos ouvidos antes surdos- beethoveeeeeens vindos nas asas de abelhas que zumbiam nonas e quintas e maravilhas de Mozart navegando os ares que eram assim meio gelatinosos meio gosmentos de tanta música a pairar parar no ar eu até via eles lá os quatro cavaleiros empunhando rocks dos sessenta
e...ei, será que tomei alguma coisa ontem pra dormir e me ficou essa ressaca essa doideira me fazendo ver o que não é?
.mas não, o diabo não havia vencido e o inferno não era aqui, e agora...ainda havia espaços abertos e flores flores e florestas se abrindo...pensei nos lilazes e nas luzes nas margaridas brancas, sabe aquelas de árvore tipo os ipês aquele escândalo de beleza que até doem nos olhos pensei naqueles velhos interiores e nas pessoas gentes que nem sabem que existem essa música e essas noites e esses desvarios e esses vazios e esses vícios.. pensei nos passarinhos, sim nos passarinhos e no mato e no verde e...
e sei que o diabo não venceu a parada... muitos tamos noutra, ainda, e o mundo ainda tem redenção!

segunda-feira, setembro 14, 2009

na primeira manhã

desenho em carvão /rafael godoy

Na primeira manhã em que abriu a janela para rua, o som intragável de uma música eletrônica fez vibrar seus dois ouvidos. Desde esse dia então pensou que melhor seria ficar trancado até as tripas se dissolverem e saírem por suas orelhas e poros para não ter que escutar aquele som. Um som que devia ficar preso no inferno atormentando as almas pecadoras da Terra. Quando se lembrou da frase de Sartre "o inferno são os outros' riu para si mesmo. O verdadeiro inferno é essa música, concluiu. Pensou em um livro que tinha lido há muitos anos" Os demônios descem do Norte" e era quase profético ao narrar a saga dos evangélicos que vinham da América do Norte e se espalhavam pelo mundo. Eram pensamentos vagos. O Tinhoso devia estar feliz, o capeta e seu tridente em riste. Quis abrir a janela, quis pensar que estava errado, que tinha exagerado em suas percepções. Não pôde. Ao som torturante da música eletrônica, como um marca-passo estúpido e insistente, no meio de tantos que dançavam, havia um ar de triunfo, quase satânico e um sorriso escondido em uns olhos vermelhos. O inferno era agora, finalmente o diabo tinha vencido.

quarta-feira, setembro 09, 2009

além de mim


meça as suas palavras, ele disse
medi e eram do tamanho do mundo
não cabiam mais em mim
atravessaram os oceanos
e as veias quentes do corpo
saíram pelos poros em meu suor
e desapareceram
como as tardes mornas de setembro


imagem:fonte desconhecida

terça-feira, setembro 08, 2009

poema dia/ hoje poema meu

Mais uma vez, convido vocês para darem uma espiada no poema dia. Tem um poema meu lá. Beijos. Clique aqui.

sexta-feira, setembro 04, 2009

hoje tem

Pessoal, tem um poema meu no "simplesmente poesia". Quem quiser conferir é só clicar aqui. beijos.

quarta-feira, setembro 02, 2009

quando vier o dia


Protesto contra a morte de uma jovem de 17 anos, moradora da favela Heliópolis, na zona sul de São Paulo, ocorrida na noite de segunda-feira. Foto de Werther Santana/Agência Estado.
( imagem do blog de Víctor Barone
http://escrevinhamentos.blogspot.com/)

e quando vier o dia
os homens estarão mortos
as crianças tristes e perdidas
e órfãs as mulheres

quando vier o dia
ficarão pássaros com asas queimadas
e o grito insano da cidade

estaremos sedados
a noite e o país em pedaços

melhor fechar as janelas
e não ouvir

estaremos seguros em nossas casas
e alguém dirá que não existe guerra

(esse poema também está lá no Balaio Porreta, aqui)

sexta-feira, agosto 28, 2009

descoberta



aqui agora no alto da montanha
vêem-se somente matos, flores vermelhas
aranhas exóticas, insetos camuflados

não há nada perturbador
as coisas estão como devem estar
pode aparecer uma nuvem negra
pode chover, pode trovejar
mas o poder está justamente nisso
a imutabilidade mutável do universo

e você ali parado olhando
querendo compreender e encaixar fórmulas
querendo descobrir o indecifrável
querendo atinar com o desatino insano
da força imensurável da natureza

e eu te olhando ali parada
querendo te decifrar
querendo descobrir o seu mistério

nesse momento, nesse segundo
somos únicos, somos iguais

a montanha testemunha
esse instante mágico
instante em que nos tornamos magos
instante em que somos infinitos

quinta-feira, agosto 27, 2009

CÓDIGO DA VIDA


SE LEONARDO DÁ VINTE
PEDRO DÁ DEZ
MIGUEL DÁ CINCO
VOCÊ NÃO DÁ NADA!

QUE TIPO DE HOMEM
PENSA QUE É??

VAI DAR COM OS BURROS N'ÁGUA!
MISERÁVEL, FILHO DA PUTA!

(imagem: acho que é do rafael godoy, estava no meio de seus trabalhos sem assinatura)

sexta-feira, agosto 21, 2009

vento de agosto

paisagem/rafael godoy

as luzes da cidade acenderam a noite
e estou do outro lado

penso quando não pensava no tempo
e tinha sempre uma lua inventada

os pássaros escuros varrem os insetos
este espaço é muito vasto

o vento de agosto entra no meu quarto
e não ouço o seu barulho
e sinto suas mãos frias
e a noite acesa do outro lado

me escondo no escuro
e a imensidão fica pequena

quero fechar as janelas
mas a lua é imensa
levanto-me no vento
e me curvo às suas frases de pedra

quinta-feira, agosto 20, 2009

Tem um poema meu lá!!

Pessoal, o Lívio Oliveira, mais uma vez, postou um poema meu em seu blog Teorema da Feira. Por incrível que pareça, desse eu gosto. O cara teve sensibilidade para escolher. Então, quem quiser conferir, clique aqui . Beijos.

terça-feira, agosto 18, 2009

última bossa

imagem google
mágico silêncio que perturba
essa noite na guanabara
e o o cristo de braços abertos
olha para os últimos boêmios
resquícios de uma geração

sempre à espera
da garota de Ipanema
do Leblon ou de Copacabana

esperam sentados
tomando copos de uísque e cerveja
misturados às suas lembranças e delírios

os cigarros antes sensuais
deixam amarelados os dentes e os dedos
a fumaça esconde suas rugas
e o álcool os faz renascer

no cantinho um violão
joão ainda na vitrola
e o mar uma neblina densa

o redentor os admira
esses homens absolutos em sua dignidade
fiéis a uma história
fiéis a uma época
em que era possível sonhar
sonhar paixões sonhar um país

o cristo se inclina por um momento
levanta a mão e chora

só eles os poetas da cidade sabem
só eles os guardiães da cidade podem chorar
pelo menos esta noite
pelo menos nesta derradeira noite da guanabara

(republicado e muito modificado)

quinta-feira, agosto 13, 2009

noite blues

van gogh

Não podia ouvir mais esse blues. O nome do cantor não sabia, mas tinha uma voz meio rouca, quase doce. Entrava na minha alma, como se entra em um lugar conhecido. Desliguei o som e saí pela cidade à procura de um lugar que me fizesse esquecer de algum modo o peso do dia. Não vi nenhum rosto conhecido. Entrei em um boteco querendo beber alguma coisa, porque estava frio. Já era noite. E então vi alguns homens jogando sinuca em um êxtase quase animal. Foi como a cena de um filme, eles pegavam o taco como se pega uma mulher. Mexiam, giravam o corpo miravam o buraco, contorciam-se feito serpentes. Ali naquela hora pude perceber um sentido para a vida. Um deles chegou perto de mim e me ofereceu um conhaque, sentou
-se a minha mesa e ficou me olhando. Não falou nada, eu também não. Ficamos ali, talvez, minutos, horas, a noite toda. Bebemos mais vários conhaques, o corpo quente, a alma inquieta. E então ouvi aquele som, um blues cantado por uma voz rouca e quase doce. Acho que ele me beijou e disse alguma coisa sobre os perigos da noite.

domingo, agosto 09, 2009

hoje tem

hoje tem poema meu no poema dia . Beijos

sábado, agosto 08, 2009

casa velha


atrás do fogão fantasmas
nos quartos de portas frias
dormem sós as velhas tias
a geladeira congela
a vida que a casa tinha
vozes quase inaudíveis
dos fantasmas na cozinha
a noite grande e tamanha
a água na bica cintila
a casa não é minha
no balanço da cadeira
o avô invoca
santos e donzelas
no canto a neta espia
a dança das escravas mortas
na janela a lua agoniza
à espera de um novo dia

quinta-feira, agosto 06, 2009

Passa lá !

Gente, hoje é a minha estreia no blog Maria Clara. Tem um poema meu. Então, se tiverem a fim, passem lá . Acho que vale a pena conferir, senão o meu poema, mas das outras poetas. Pronto, falei. Beijos.


segunda-feira, agosto 03, 2009

na pia espuma branca

técnica:pastel seco/rafael godoy

as montanhas me cobrem os olhos tão longe
e a noite com suas sombras negras não me deixam ver mais
tem os cabelos nascidos para o sol sua lucidez me perturba
na pia espuma branca com pontos negros e cheiro de lavanda
limpo tudo o sabonete no chão
não posso mais compartilhar suas manhãs
seu cheiro misturado ao vapor do espelho
nem a pasta de dente sem tampa
está tão perto
mas não de mim

OLHA SÓ!!!

Tive a grata surpresa de ver meu texto "rosas brancas" no blog Teorema da Feira. Fiquei mais uma vez surpresa e feliz. O Lívio Oliveira é que cometeu essa "sandice". Então, gente, quem quiser dar uma força, apareça por lá. Obrigada e beijos.

sexta-feira, julho 31, 2009

nessa hora

rascunho aquarela/ rafael godoy

Nessa hora a chuva cai.
Não tenho planos, não penso o que vou fazer amanhã, muito menos daqui a alguns anos.
Meus filhos estão longe, a casa vazia.
Os gatos me olham e parecem dizer: será que ela não vai fazer nada? E ao mesmo tempo gostam da minha presença, aninham-se aos meus pés.
Não consigo procurar amigos e nem parentes. Nem fazer qualquer coisa para comer. Quando me dá fome, tomo um café que está ali, ao meu alcance e mastigo um pão de forma velho com manteiga.
A geladeira , como disse alguém, um deserto frio e árido. Não tem bebida, nem vinho, nem cerveja. O cigarro me acompanha em meus devaneios. Gosto de chegar na área e olhar a chuva.
Busco compreender algumas coisas em mim, mas isso também passa. Não estou alegre, nem triste, nem nada. O telefone toca e é uma promessa de encontro. Não quero também. Tenho que me vestir, me arrumar, sair de casa ou preparar a casa para alguém. Então dou uma desculpa qualquer e fujo de qualquer compromisso. Gosto da casa assim, com a cama desfeita, mas aconchegante, com algumas coisas fora do lugar, que fui eu que deixei. Os livros assim espalhados. Leio, mas não me prendo a nenhum. Um poema aqui, outro lá. Trechos de obras já lidas. Às vezes um livro inteiro em poucas horas. Mas é assim que gosto. Vejo tevê e procuro alguma coisa que preste. É difícil, mas consigo. Também, se quiser, mudo o canal a qualquer momento e brinco com as imagens. Ouço uma música que há muito não escuto e me surpreendo: como eu gostava daquela música! E acho uma merda. Durmo em alguns momentos e tenho sonhos estranhos, como ir ao fundo de uma piscina funda, muito funda, cheia de folhas e lama e conseguir voltar à superfície, ilesa. E quando volto à tevê, assisto a uma cena semelhante. Só que o cara não teve a mesma sorte. Afogou-se.
Tocam o interfone. Pode ser o gás, o correio, alguém pedindo alguma coisa, ou mesmo, um amigo. Mas não atendo. Não quero sair dessa inércia. Parece que a chuva parou. E eu parada aqui e os gatos me olham.

(republicado)

sábado, julho 25, 2009

filosofia barata


aquarela/rafael godoy

reverencio os mistérios
mas não os creio divinos

a dor e o sofrimento não são divinos
a humanidade feder e exalar horrores
a natureza gritar e transbordar
agonizar em febre e frio por causa do homem
também não

se deus fosse a natureza
não se chamaria flor a flor
nem bicho o bicho
nem mar o mar
nem homem o homem

há mistérios multitudinários
mas ninguém escolheu
comer o pão que o diabo amassou

ser miserável ter fome e desprezo
lutar em uma guerra inaceitável e desigual
morrer aos milhões por bala perdida ou canhão
à míngua ou solidão?

não me fale em livre arbítrio
a escolha não é essa
quem escolheu sofrer até a exaustão?

reverencio os mistérios
mas não me fale em deus

sexta-feira, julho 24, 2009

praga (ou poeminha safado)

estudo para aquarela/ rafel godoy

tolo é você que pensa que não é
você, você mesmo
com essa cara de safado
com esse ar de desgraçado
com esse cheiro de mulher

você que tinha os olhos cor da lua
que mexia em meus cabelos
me olhava com medo
e me fazia cafuné

cuspirei no seu sorriso
pisarei no seu calo
esmagarei o seu abraço

por onde passar
há de causar horror
um cheiro podre
exalará ad infinitum

e assim quando vier
maldito mal cheiroso mal vestido
encontrará a casa fechada
e qual fênix a sua mulher

segunda-feira, julho 20, 2009

rosas brancas


por uma dúzia de rosas brancas ela se jogou em frente à banca de flores e disse ter perdido o marido naquela tarde. suas lágrimas também brancas invadiram aquele espaço e o coração do florista. debruçou-se sobre o vaso e foi arrancando uma a uma as rosas postas em um belo arranjo. para cada rosa que tirava dava um suspiro e com a outra mão ia formando um novo buquê. assim que completou as doze rosas, ela olhou mais uma vez para o vendedor, completamente paralisado, comovido com sua dor. mandou-lhe um beijo soprado e logo alcançou a esquina sem pressa . em seu rosto, um sorriso de noiva abandonada no altar.

domingo, julho 19, 2009

baú

carlos gardel-imagem google

o que tirei do baú não eram mistérios
eram panos remendos algumas bijouterias
um urinol branco de ágata uma toalha de renda
um álbum antigo de pessoas desconhecidas
(mesmo que me reconhecesse em algumas fotografias)
um cheiro de poeira a tesourinha da minha avó
a seringa de prata do meu avô
um disco de carlos gardel e el dia que mi quieras
um vestido vermelho e o perfume de uma noite

tirei de lá algumas vidas adormecidas em lembranças
e as ressuscitei na sala de jantar
ficaram cochichando rindo dançando
e eu sussurrando medos

o que tirei do baú não eram mistérios
mas o fechei com força a sete chaves
e era hora do jantar

quinta-feira, julho 09, 2009

Tem poema meu hoje no poema dia. Beijos. Link ao lado.

terça-feira, julho 07, 2009

Atrasados


Estamos atrasados, meu amor
O rio já correu
O sol já se foi
e o dia ainda não foi embora

Perdemos a noite escura
mais negra que os olhos do diabo
Perdemos a hora de dançar com as árvores
com seus galhos como as mãos da morte

O vento está morno e fraco
As flores não têm cheiro
Perdemos o trem
que atravessa a cidade
Não vamos a lugar nenhum
O tempo já passou

Ficamos aqui de mãos dadas
Como duas crianças perdidas
As ruas são longas
e estreitas as esquinas

Estamos atrasados, meu amor
O mundo esmaga os nossos sonhos
lentamente, intensamente.

terça-feira, junho 30, 2009

Pero Jaz

(imagem google-carta de caminha-portinari)

Pero Vaz, vazio de alma e rico de letras
Não entendia a nudez das índias
A beleza de nossas terras
Pensava ele ser o arauto do nosso esplendor
Dono da natureza escravo de seu rei

Pero Vaz Caminha caminhou
Por terras nunca dantes caminhadas
E naufragou no seu assombro
Mergulhou fundo no seu espanto

Mandou ao rei carta que dizia
Não compreender por que o sol
Estava na terra em pequenos pedaços de areia
Que o verde se encontrava também em minerais
Chamados esmeraldas
Que o vermelho do sangue
Derramado em seu caminho
Em lutas contra os imberbes primitivos
Concentrava-se em pedras chamadas rubis

Dizia ser as vergonhas das índias
Vergonhosas demais
E sem pêlos ou roupas para cobri-las
Cobriu-as de pegajosos excrementos
Despejados de seus rins
Como também o fizeram todos os lusitanos
Que na terra estavam, sendo jesuítas ou ateus
E fertilizaram nosso solo com suas impurezas
E violaram o sagrado mistério de nossas mulheres

E ali nascia um novo povo
Crianças mamelucas mestiças mulatas
Com cabeças pequenas demais para pensar
Com o cheiro acre-podre de seus pais

E crescendo viram a terra que não lhes pertencia
Que jamais seria genuinamente sua
E deixaram entrar nobres, bárbaros e plebeus
Varões, eunucos, negros,
Brancos, amarelos,garanhões

E quanto mais gente se formava
Mais a terra lhes era tirada
E desde mil e quinhentos anos
A terra continua lhes sendo roubada

E mesmo que clamem os profetas
Mesmo que chorem os da natureza amantes
Mesmo que sequem todos os rios
Mesmo que acabem todas as matas
Mesmo que não exista mais fauna
Mesmo que morra mais e mais gente
A terra nunca lhes pertencerá

E Pero Vaz de Caminha
Na sua ignorante sabedoria
Jaz em sua terra zombando daquela gente

E no ano da graça de dois mil e tantos
Acharam em seu túmulo
Esmeraldas, ouro e rubis
Encontraram em seu túmulo
Uma pergaminho de brilhantes
E uma incrição com tinta de pau-brasil
Com os dizeres amaldiçoados:
"Mesmo que se plante nesta terra
E aqui se plantando tudo dá
Mesmo que germinem todas as sementes
Mesmo que nasçam seres mais inteligentes
A esse povo não caberá nenhum quinhão"

E feliz jaz Pero Vaz em seu leito de morte
Coberto de todos os brilhantes
Sabendo que a sua praga vingará
E assim foi
E assim será

(poema republicado, feito a partir de uma aula de literatura sobre a carta de Caminha aos alunos do ensino médio)

segunda-feira, junho 22, 2009

você nem sabe


você nem sabe que gosto de capuccino com creme
depois pitar um cigarro olhando a tarde
nem que grito e choro quando meu time joga
nem de quando me levanto de madrugada para ver a noite ir embora
e depois cerrar a persiana para dormir de novo com o sol lá fora
não sabe que gosto da noite da lua
do vento que sopra do outro lado da cidade
nem que gosto da cidade e das montanhas
não sabe que gosto de conversar sobre o planeta e as pessoas
e da música do Clube da Esquina
nem que gosto de tomar cerveja com velhos amigos
e saber que vale a pena
dos gatos que ficam por aqui e sempre me observam
nem sabe do poema que fiz quando olhei para os seus olhos
e que joguei fora- vômito saindo da garganta
não sabe que seu cheiro está em meu corpo
como ferroada de marimbondo bravo
não sabe que depois de ontem
me dissolvi como açúcar no café quente
e ainda estou aqui ao lado do telefone

(imagem: fonte desconhecida)

segunda-feira, junho 15, 2009

por ali

( estudo para aquarela/ paisagem/ rafael godoy)

caminhei por ali onde um amigo dos mais queridos
acabava de ser enterrado e o céu estava nublado
um vento frio entrava nas frestas da roupa

fiquei assim olhando aquele lugar cheio de árvores e um lago quase azul
e olhei os nomes de quem já estava debaixo da terra úmida
e pensei em cada nome que li e nas pessoas que poderiam ter sido

olhei a terra mexida e cheia de flores em cima do cimento
e sabia que ele estava ali com o corpo frio
e não queria pensar nele ali debaixo da terra

me lembrei de quando viajamos
das cervejas que tomamos e das músicas que cantamos
dos lugares e das pessoas
de como era bom estar do seu lado mesmo em silêncio
nos risos cúmplices e nos momentos de raiva
de como implicava comigo quando eu derrubava alguma coisa
ou quando lambuzava minha boca e minha mão de manteiga
ou trocava as palavras de um jeito distraído
e quando ele fazia palhaçadas e ria de si mesmo e do mundo

me lembrei de sua família perdida sem sua presença
dos filhos sem pai e do fogão a lenha

me lembrei de uma vida inteira com sua voz sua música sua dança
de um dia quando saímos de manhã e voltamos só de madrugada
e das longas conversas sobre a vida essa mesma vida que ele perdeu
e de deus de sentidos de indagações de confidências de perplexidades

caminhei por ali e pensei que ele estava debaixo da terra
e não queria pensar nisso
já era noite e os faróis dos carros brilhavam
no céu nublado somente uma estrela
e na terra um cheiro de flores

( O Vu se foi dia 10/06/2009)

terça-feira, junho 09, 2009

hoje tem um poema meu no poema dia

Já publiquei, mas se quiserem, deem uma espiada. Beijos.

http://poemadia.blogspot.com/

quarta-feira, junho 03, 2009

lobos


quando lobos da cidade com seus olhos de neon
sobem solitários a ladeira fria do bairro
mesmo que não tenha lua e a noite seja de ventos
pensam em suas vidas na fumaça e no uísque que deixaram nos bares
nas mulheres que beijaram e juraram ser únicas
pensam que amanhã pode ser diferente mesmo sabendo que não
entram em casa e olham suas mulheres
dormindo amassadas e quase puras e os filhos no quarto ao lado

esses lobos viram anjos subitamente
vestem a camiseta branca e escovam seus dentes
como a limpar os restos do pecado
desejam bons sonhos em silêncio
se enroscam em suas mulheres sob o edredon macio

à noite se esquecem e voltam aos lugares perdidos
beijam mais mulheres e bebem mais uísque
marcam seu território com mãos, línguas e histórias inventadas
e a lua aparece azulada e tímida
esses lobos uivam e seus olhos são de neon

sexta-feira, maio 29, 2009

irreversível

não tire de mim o encanto desse dia
ainda que seus olhos me implorem
e seu corpo se ausente
as lembranças são minhas
e você não pode fazer mais nada
quando a noite me engolir de vez
é esse dia que lembrarei
e você não pode fazer mais nada
mais nada

(imagem do filme: o homem que não estava lá
/
renè magritte)

terça-feira, maio 26, 2009

poema lá

Oi, amigos, queridíssimos poetas e eventuais leitores, tem um poema meu inédito no blog do poeta Luciano Fraga. Quem quiser, dê uma espiada. Beijos.

http://versoseperversos.blogspot.com/

sábado, maio 23, 2009

cenas da terra

paisagem/estudo para aquarela/ rafael godoy

(para Henrique Bardo Pimenta)

ouvi os gritos de quem estava sendo engolido pela terra
e deles não tive pena

as casas continuavam brancas como fantasmas perdidos
e as crianças corriam loucas pelos passeios

uma mulher acabava de comer uma maçã vermelha e doce
e jogava as cascas para os pombos e abutres

uma velhinha empurrava com a bengala
as fezes dos pardais ensandecidos

o rio transbordava e jogava seus excrementos
contaminando o canal e as pessoas

um bando de velhos jogava cartas
nos bancos da praça abandonada

o poeta tentava achar a palavra que faltava
para completar seu poema de mil versos

os cães mastigavam uma carne transparente
não se sabia se era de gente ou de bicho

cavalos selvagens não corriam
apenas observavam o ritmo da natureza

a terra continuava a engolir os desvalidos e os afortunados
um homem lançava pedras no lago escuro

enquanto isso alguém tocava John Coltrane
e enfeitiçava a lua pálida

a terra parou e vomitou seus mistérios
e vomitou seus filhos seus bichos
sua decadência seus deuses e sua arte

e finalmente adormeceu

quando a escuridão


desenho de carlos carah/sangue ruim


quando a escuridão parece mais escura que é
você está no meio do mar em um pequeno bote
vê uma mancha preta maior que a escuridão
pensa que não haverá mais jeito

então olha para cima e não vê estrelas
as águas são geladas e escuras
você ali no pequeno bote

no meio daquele oceano imenso e gelado
aparecem uns olhos esverdeados

você ali naquelas águas e aqueles olhos
você se agarra a eles a seu brilho
você acorda em sua cama e uns olhos verdes escuros
mais escuros que aquelas águas te olham

então você dorme e por uns momentos sonha

( poema originariamente publicado no blog versos e perversos de Luciano Fraga)

terça-feira, maio 19, 2009

três cachorros



três cachorros soltos nas ruas
dizem que um virou lobo
se confundiu com a noite
dizem que um virou gente
se deitou com cadela
dizem que um um virou eterno
no coração da menina

(republicado)




(imagem do google)


quinta-feira, maio 14, 2009

Benedita

aquarela/rafael godoy

a Daniel Lopes


quando Benedita me disse que já era noite
não acreditei
porque em seus olhos brilhavam dois sóis
e o chá que ela me trazia
tinha o aroma da minha infância
então quis pular da cama
mas suas mãos negras e quentes
me seguravam
e sua voz dizia para eu dormir

depois de noites acordada
ruminando sonhos destoantes
deitei a cabeça em seu colo
e pude dormir como dormia nos braços de minha vó

Benedita cantou canções e dormiu com meus sonhos
a noite ficou doce e suave
e tinha gosto de quintal e de manga caída do pé

sábado, maio 09, 2009

mais um susto

Oi, amigos, passei por mais um susto. Tive que ser internada de novo com urgência, pois estava com peritonite aguda. Passei mais quatro dias no hospital, fui submetida a uma punção, uma das coisas mais dolorosas por que já passei e agora estou em casa. Ainda estou tomando remédios fortes pra dor à base de morfina e antibiótico. Já me sinto melhor e em breve volto pra sair desse clima horror/hospital. Tô meio grogue ainda, mas jájá volto aos blogs de meus queridos amigos e poetas. Obrigada mais uma vez pelo carinho e atenção. Meu sangue ainda pulsa nas veias. Beijos.

sexta-feira, maio 01, 2009

estranhamente








tutuco chiquinha

Estranhamente veio a dor aguda como faca quente cortando a carne e o coração que não estava no lugar certo, pelo menos naquela hora.

Cheguei ao espaço branco com lâmpadas azuladas e brancas com gente espalhada por todos os lados e tinham alguns que usavam máscaras e aparelhos gelados pendurados no pescoço. E então eles me furaram várias vezes, mil vezes e tiraram chapa e olhavam dentro do corpo com gel gelado e como espectros dançavam dentro de mim.

Vi seres pálidos e doloridos e eu era um deles. Injetaram líquidos esverdeados e ardentes. Me sedaram e me furavam de novo só que desta vez eu dormia e fui abduzida e submetida a experiências estranhas. Tiraram de mim uma pedra que talvez tivesse vindo da lua e tiraram pedaços do meu corpo e me injetaram drogas para acabar com os seres microscópicos que infestavam meu sangue.

E vieram muitos amigos e muitos da família e alguns desconhecidos. Olhavam pra mim e eu via nos seus olhos a minha doença . Via em seus olhos que a minha vida estava escorrendo em minha cara branca e no soro pendurado em meu braço, em minha veia.

A dor vai indo e me levando para outros caminhos. Meus dois gatos me olham e sentem um cheiro diferente, mas deitam sobre os meus pés frios e o mundo fica mais aconchegante.

convalescendo

Acabo de voltar do hospital LifeCenter onde fiquei internada por uma semana. Tive infecção aguda e pedra na vesícula . Tiraram a pedra, tiraram a vesícula, tiraram a infecção e tiraram a minha alegria por um tempo. Aos poucos vou me atualizando com os blogs de meus amigos, mas por enquanto ainda me sinto um pouco fraca. Obrigada pelas visitas e preocupação. Beijos.

sexta-feira, abril 24, 2009

hercília fez...

Gente, tem um poema que a Hercília fez pra mim no blog dela. Vale a pena. Recomendo, narcisismo à parte. Beijos.

http://fernandeshercilia.blogspot.com/

sábado, abril 18, 2009

manhã

duas portas fechadas
para um corredor que dá para o mundo
foi o que vi ao acordar de manhã
foi o que me fez querer sair de casa
abrir a porta da rua
e sentir o ar quente da cidade

quarta-feira, abril 15, 2009

Eles

arlequim/estudo para aquarela/rafael godoy


No dia em que estava acorrentada
aos pés da mesa de meu pai
Vieram todos eles
De uma só vez e sussuraram maldições

Vieram todos de uma só vez
Nenhuma pena tiveram
Vociferavam palavrões
Diziam coisas impróprias
Não ligaram para os meus olhos
Não ligaram para meu choro mudo

Acorrentada ainda estava
E dançavam à minha volta
Mostravam seus corpos nus e retorcidos
E quase ingênuos e quase maus
Deliravam em seu êxtase

Falavam línguas estranhas
E exibiam sua enormes línguas
Viscosas e vermelhas
Às vezes as tocavam em mim
E eram quentes
E eram úmidas

Ainda acorrentada
Ainda atormentada
Vi pouco a pouco
Todos eles indo em direção à porta
Que estava entreaberta

E fugiam delicadamente
Saíam em harmonia
E eu ali acorrentada
E eu ali apavorada

E quando meu pai chegou
Abriu o cadeado
E me soltou das correntes
Perguntou:
"Está com fome, menina?"

Nenhum som saiu de minha garganta

Ele pegou o chicote
E me deu algumas chibatadas
E me disse: "Faço isso para o seu bem"

Respondi docilmente:
Sim, meu pai
E fiquei olhando aquela porta
Esperando que eles voltassem

E de novo meu pai saiu
E de novo me acorrentou
Mas nunca mais eles vieram
Nunca mais ouvi as suas línguas

Estava finalmente amaldiçoada
A solidão para sempre
Apenas um som
A voz de meu pai
Que perguntava sempre:

"Está com fome, menina?"

E eu disse naquele dia:
"Sim, meu pai"
Ele guardou o chicote
E vi em seus lábios
Um ligeiro sorriso

( texto escrito há mais tempo)

sexta-feira, abril 10, 2009

devaneios quase apocalípticos

escuro/estudo para aquarela/rafael godoy

Descartes descartou as curvas
Maquiavel nem tão maquiavélico era
Sócrates bebeu do pŕoprio veneno
Platão eternizou-se nas cavernas

Pilatos ensaboou as mãos
A Aristóteles deixou as moedas
Pedro negou-se três vezes
Judas se perdeu nos confins do mundo

Beethoveen chegou à perfeição
Nero incendiou tudo
Lúcifer desceu à terra
Deus abandonou a criação

Dante, inferi que o inferno é aqui

Chamas ardem por todos os lugares
Chamo alguém clamo berro
Os edifícios sumiram das cidades

Nunca mais a lua!
Nunca mais a lua...
A lua nunca mais