domingo, outubro 23, 2011

anjo caído

                                                 desenho/ rafael godoy                                                             

Ele entrou e disse que estava frio lá fora. Bebeu o café  quase frio e acendeu um cigarro. Disse que aquele dia tinha visto algumas pessoas estranhas que o seguiam. Jurou que não era paranoia. Perguntou sobre  os gatos e se esticou no sofá. Falou sobre o possível apocalipse mas disse que não acreditava em anjos. Elogiou a música que tocava, acho que Coltrane, e falou que nesse momento vinha uma paz quase inevitável ou que a vida tinha algum sentido. Pediu pra eu soltar os cabelos e sentir o cheiro do xampu que gostava. E ainda, com voz baixa  e com os braços fortes, me puxou para  o seu lado e me deu um beijo longo. Sua boca tinha gosto de menta, provavelmente, alguma bala para tirar o gosto do cigarro. Estava intensamente sensual, com os cabelos despenteados e cheiro de chuva. Dormi em seus braços e quando acordei  já tinha ido embora. Ele era assim, aparecia em qualquer hora, dizia coisas sem sentido ou ficava preso em seu silêncio. Eu entendia esse homem de poucas palavras e gestos definitivos. E ele sabia disso.  Talvez fosse ele um anjo caído por acaso em minha vida.