segunda-feira, dezembro 03, 2007

Deixa estar...

O papa disse que os ateus são culpados por quase todas as atrocidades da humanidade.
Então, vou usar as palavras de Leminsk:
"Todo mundo crê em alguma coisa
Creio que vou tomar uma cerveja."

Agora quero ver o que ele vai falar...
Será que o papa toma cerveja?
Ora veja, parece que só vinho
E o da melhor qualidade...

domingo, novembro 18, 2007

Nunca

Você, amor, escondeu-se atrás da árvore
Aquela que subíamos quando crianças
Onde contávamos os nossos segredos
E chorávamos os nossos medos

Você disse que nunca cresceria
E como Peter Pan na Terra do Nunca
Nunca me deixava sem o seu pó mágico
Voávamos sobre as cidades
Entrávamos pelas janelas

Era sua fada e você meu encantador
Inventávamos o mundo
Para que ficássemos juntos
As suas mãos me ensinavam
As melhores brincadeiras

Juramos amor eterno
E gravamos dois nomes
em um coração amarelo
no galho mais alto

Agora te vejo, amor
Atrás da árvore
Atrás do que fomos
Atrás do que perdemos

segunda-feira, outubro 15, 2007

A receita

(esse poema é do Guga, feito para mim e pro Augusto, um dos momentos mágicos em minha vida)

"Amor", ele disse, "não ouvi".
Quando se coloca a noz moscada?"
Mas ele bateu na porta errada,
como no filme: Alice
Não Mora Mais Aqui.
(Ou então como em Alice
No País das Maravilhas,
ao qual ele não tem acesso.)
"Amor, eu te peço."
Ela não disse nada
nem revelou o segredo
- tesouro oculto na ilha -
fiel ao credo e à fé
de que a receita é hereditária
em sua família.
Passa de mãe para filha
e definitivamente não é
multitudinária.
"Perguntarei à sua mãe
no seu leito de morte."
"Vai", ela disse, "e vai
precisar de muita sorte",
porque minha mãe, ai,
pálida e rouca,
quase defunta,
ao ouvir sua pergunta:
- quando se coloca a noz moscada? -
levará sua mão a boca
e dará sua última risada."
Ago - 1993

sábado, outubro 13, 2007

Insônia

A noite inútil não terminava nunca
O sono vinha, mas os olhos não fechavam
Vi assombrações nos rodapés das paredes do quarto
Espremidas , cor de barro, querendo sair
Faziam sons estranhos e se moviam
Criaturas horrendas, desfiguradas

Se cresse, talvez rezasse
Mas nada saía de mim
Apenas um medo, um frio medonho
Uma imobilidade assustadora

Os seres pareciam conversar
Confabular, azucrinar
Sei que alguns saíram
E deram voltas em minha casa

Nem meus gatos apareceram
Esconderam-se em algum armário
Acovardaram-se

Mas, finalmente, chegou a manhã
Fechei os olhos
Dormi com a cortina aberta
O sol sobre mim.

terça-feira, outubro 09, 2007

Festa de Casamento

Muito uísque entrando no sangue
Muita nicotina ocupando o pulmão

A festa seria boa
Se o vômito guardado
Não fosse jogado
Na entrada principal
Se os beijos roubados
Não fossem vistos por todos
Se os delírios filosóficos
Não tivessem saído da cabeça
Se a preocupação com o mundo
Não tivesse sido exposta
de uma maneira tão leviana
Se as pessoas fossem interessantes
Mesmo sem o álcool

A festa teria sido boa
Se acreditasse que casamentos
São bons
Soubesse que as pessoas casadas ali
Eram as mais felizes

A festa teria sido boa
Se não tivesse jorrado na cara
Nas roupas, nos sapatos
A essência mais repugnante
no medo das pessoas
no espelho do que elas são

A festa teria sido boa
Aliás, a festa foi boa
Pena que o uísque
Era falsificado...

sexta-feira, julho 13, 2007

O velho da janela

Ontem não o vi mais na janela.
O velho que ficava na janela em frente à minha tinha morrido.
De uma forma estranha: bebeu duas taças de champanhe, ficou verde e se foi.
Não que eu tivesse alguma simpatia por aquele sujeito. Na verdade, me incomodava demais.
Sempre estava lá, nos momentos mais inoportunos. Vivia sem camisa e o seu porte avantajado dava a impressão de que era mais jovem do que seus oitenta e três anos. Sua voz, como percebeu o meu filho, era de um jovem.
Mexia com todos que subiam ou desciam a rampa, principalmente, com as idosas viúvas. Como um galanteador , dizia que estavam lindas e que queria namorá-las. Umas aceitavam as suas palavras e sorriam timidamente. Outras, o achavam incoveniente. Mas, de uma certa forma, ele preenchia as suas vidas.
Por incontáveis vezes, tive que fechar a cortina, pois com seus olhos indiscretos entrava em meu apartamento e me despia com o seu olhar de rapina, embora, muitas vezes, já estivesse nua.
Gostava quando abria a janela e ele, por algum motivo, tinha perdido a cena. Era como se eu tivesse vencido algum lance de jogo de cartas ou feito um gol de placa.
Nunca soube o seu nome, até ontem, quando a zeladora me contou sobre a sua morte:
- O Seu Manoel morreu, disse-me ela.
- Quem?
- O Seu Manoel do 407!
-Ah! Que pena! respondi-surpresa e escondendo o meu alívio!
Eu o detestava. Desde que o vi pela primeira vez.
Mas, ontem, senti a sua falta e, embora soubesse de sua morte, cerrei as cortinas, quando saí do banho, enrolada em uma toalha.
Por um momento, ao olhar a janela em frente, vislumbrei uma sombra e uma risada que conhecia bem.
Tratei de fechar bem a cortina e, quando saí de casa, ao atravessar a rampa, não olhei mais para cima. Mas tinha certeza de que ele estava lá. Ou o seu fantasma.

segunda-feira, maio 28, 2007

Non- Sens

Não me surpreende
que a alma tenha deixado o meu corpo.
Surpreende-me, sim
a insistência de permanecer existindo.

segunda-feira, maio 21, 2007

Martin Oliver- Final

Assim cresceu Simião Bozz
A barba cobria-lhe o rosto
Sua voz engrossara e seu corpo
tornou-se forte, coberto de pêlos


Não se lembrava do último dia
que estivera em sua casa
Vagas lembranças de seus tios,
primos, vizinhos e de seu tutor.

Fazia exatamente 893 dias que havia partido
Em busca de seu pai
E um dia, exausto, nas terras quentes
Simião dormiu e sonhou.

Ao abrir os olhos, só uma enorme escuridão
A noite que chegara
E pela primeira vez sentiu medo
Cheirou a escuridão, pegou a noite,
sentiu o vento frio no rosto
E chorou.

Chorou por todos aqueles dias
Que havia andado só.
Chorou por sua mãe, Norma Bozz
Que não conhecera
Chorou por ver a noite e o seu manto imenso
Então olhou para o céu e viu
um planeta brilhando com uma enorme sombra
O planeta em que seu pai estaria

E do céu caíram gotas fortes de água sobre o seu corpo
Era a chuva e a água tinha gosto de terra
Era clara e limpa
Ele brincou com a água
Deitou e rolou na terra
Lambuzou-se de lama
E deixou que a água limpasse o seu corpo
E a sua alma

E quando estava assim, sorrindo,
Pela primeira vez em 893 dias
E apenas uma noite, essa
Viu uma figura se aproximando
Montada em um cavalo enorme
De crinas longas

E Simião então viu
Viu pela primeira vez o seu pai
Martin Oliver
E sorriu, como o fez seu pai
E juntos caminharam rumo à sua terra
Rumo à sua gente

Ollharam ambos para o céu
E o planeta estava mais brilhante
Sem sombra alguma

E chegaram a seu lar
O povo na rua festejava
Bebendo chuva e olhando o céu

E os dois: pai e filho anunciaram em alto e bom som:
"Daqui em diante, para todos os dias haverá uma noite"

Sentaram-se na varanda e mais uma vez
Olharam o céu e para aquele planeta brilhante
E um cheiro de rosas inundou aquele momento.

sexta-feira, maio 18, 2007

Martin Oliver III

E assim nasceu Simião Bozz
Do emaranhado cabelos dourados de sua mãe
E com as pequenas mãos
Abria espaço entre os fios
Precisava sair dali.

E quando chegaram os que dele cuidariam
O menino perguntou:
Onde está meu pai?
E aí, reuniram-se todos em volta de Simião
E contaram a história de seu pai, Martin Oliver

Falavam também que desde a sua partida
Nunca mais houve uma única noite no planeta
E amaldiçoados estavam todos daquele terra
E que esperavam, mas Martin Oliver
Nunca mais aparecera

E então, Simião Bozz,
Com descendência paterna dos faraós
E norueguesa, do lado materno
Elevou os olhos para onde
Possivelmente estaria o planeta
Com a sua eterna sombra,
Gritou com toda sua força
Para que todos pudessem ouvi-lo:
" Vou em busca de meu pai".

terça-feira, abril 24, 2007

Martin Oliver II

E Martin Oliver não apareceu
Nem na única noite noite do próximo ano
Nem no ano seguinte e nem nos outros anos
Ainda que Norma Bozz, sua noiva
Não cortasse mais os cabelos
E ficasse deitada em sua cama
Sempre esperando

Os profetas anunciaram a sua volta
As bruxas e feiticeiras, os magos
E todos os videntes
Diziam que Oliver iria voltar

Mas o que se via
Na única noite de todos os anos
Era apenas uma sombra ainda enorme
No planeta próximo, sozinha e parada

Os cavalos permaneciam calmos
E corriam livres nas colinas azuis
Norma Bozz definhara
O cabelo enorme servia-lhe como roupa
E escondia o seu rosto marcado pela dor
Nunca mais saíra de casa
E nem na única noite de todos os anos
Olhava para o céu.

Mas um dia, alguns homens,
sob o sol escaldante
Caminhavam pela terra quente
E encontraram uma estranha criatura
Trazia junto a seu corpo
Uma foto com o rosto de uma jovem mulher

Não falava, não chorava
Ardia em febre
Esses homens o levaram para Petrônio, O Curandeiro
E anunciou ele, olhando para aquela criatura,
Consumida pela febre:
"Daqui a três dias estarás curado"

E passaram três dias ...
E aquele homem estranho, antes febril
levantou-se e disse:
"Quando será a próxima noite?"
"Daqui a 325 dias", disseram.

E esse homem, mostrou um documento
Que trazia o seu nome:
Martin Oliver, descendente de faraó.

Saiu então em busca de sua amada, Norma Bozz
E quando a viu não encontrou mais o seu rosto
Nem seu belo corpo
Apenas viu um amontoado de cabelos
Que cheirava a rosas, um cheiro que conhecia

E ao lado de sua noiva, uma sombra escura
Com um brilho de lua
Carregava em seu colo um bebê
Envolto em uma manta feita por cabelos
Cabelos dourados
E com o mesmo cheiro de sua mãe.

Martin Oliver então se foi
E com ele a sombra
E com ele a noite
A única possível noite
Daquele planeta.

sábado, janeiro 13, 2007

Martin Oliver I

cavalos loucos correm nas colinas azuis
o planeta é amarelo cor de terra
não há lua aqui: um ou dois planetas mais próximos
que lançam bólitos continuamente
sempre é dia: só uma noite em 894 dias
e hoje era noite e os planetas estavam diferentes
e os cavalos enormes balançam suas crinas
e soltam gritos estrondosos audíveis a grandes distâncias
e Martin Oliver descendente dos faraós
aparece naquelas terras quentes e hoje escuras
sonha com possíveis caçadas
procura o que todos têm medo de encontrar
e sai nessa noite eternizada nos gritos dos cavalos
e não volta mais
bem que lhe avisaram os profetas e os velhos guerreiros
bem que sua amada Namma Bozz lhe suplicara que não fosse
contudo Martin Oliver não desistira
e montando um belo cavalo lhe dissera
com voz firme e rouca:
meu amor, não posso negar o que o destino me reserva
e foram essas suas palavras últimas
e hoje depois de 893 dias : a única noite depois de sua saída
alguém viu no céu, no planeta mais próximo que brilhava
a sombra de Martin Oliver
sobre um enorme cavalo
e atrás de si outra sombra negra gigante.