terça-feira, junho 30, 2009

Pero Jaz

(imagem google-carta de caminha-portinari)

Pero Vaz, vazio de alma e rico de letras
Não entendia a nudez das índias
A beleza de nossas terras
Pensava ele ser o arauto do nosso esplendor
Dono da natureza escravo de seu rei

Pero Vaz Caminha caminhou
Por terras nunca dantes caminhadas
E naufragou no seu assombro
Mergulhou fundo no seu espanto

Mandou ao rei carta que dizia
Não compreender por que o sol
Estava na terra em pequenos pedaços de areia
Que o verde se encontrava também em minerais
Chamados esmeraldas
Que o vermelho do sangue
Derramado em seu caminho
Em lutas contra os imberbes primitivos
Concentrava-se em pedras chamadas rubis

Dizia ser as vergonhas das índias
Vergonhosas demais
E sem pêlos ou roupas para cobri-las
Cobriu-as de pegajosos excrementos
Despejados de seus rins
Como também o fizeram todos os lusitanos
Que na terra estavam, sendo jesuítas ou ateus
E fertilizaram nosso solo com suas impurezas
E violaram o sagrado mistério de nossas mulheres

E ali nascia um novo povo
Crianças mamelucas mestiças mulatas
Com cabeças pequenas demais para pensar
Com o cheiro acre-podre de seus pais

E crescendo viram a terra que não lhes pertencia
Que jamais seria genuinamente sua
E deixaram entrar nobres, bárbaros e plebeus
Varões, eunucos, negros,
Brancos, amarelos,garanhões

E quanto mais gente se formava
Mais a terra lhes era tirada
E desde mil e quinhentos anos
A terra continua lhes sendo roubada

E mesmo que clamem os profetas
Mesmo que chorem os da natureza amantes
Mesmo que sequem todos os rios
Mesmo que acabem todas as matas
Mesmo que não exista mais fauna
Mesmo que morra mais e mais gente
A terra nunca lhes pertencerá

E Pero Vaz de Caminha
Na sua ignorante sabedoria
Jaz em sua terra zombando daquela gente

E no ano da graça de dois mil e tantos
Acharam em seu túmulo
Esmeraldas, ouro e rubis
Encontraram em seu túmulo
Uma pergaminho de brilhantes
E uma incrição com tinta de pau-brasil
Com os dizeres amaldiçoados:
"Mesmo que se plante nesta terra
E aqui se plantando tudo dá
Mesmo que germinem todas as sementes
Mesmo que nasçam seres mais inteligentes
A esse povo não caberá nenhum quinhão"

E feliz jaz Pero Vaz em seu leito de morte
Coberto de todos os brilhantes
Sabendo que a sua praga vingará
E assim foi
E assim será

(poema republicado, feito a partir de uma aula de literatura sobre a carta de Caminha aos alunos do ensino médio)

segunda-feira, junho 22, 2009

você nem sabe


você nem sabe que gosto de capuccino com creme
depois pitar um cigarro olhando a tarde
nem que grito e choro quando meu time joga
nem de quando me levanto de madrugada para ver a noite ir embora
e depois cerrar a persiana para dormir de novo com o sol lá fora
não sabe que gosto da noite da lua
do vento que sopra do outro lado da cidade
nem que gosto da cidade e das montanhas
não sabe que gosto de conversar sobre o planeta e as pessoas
e da música do Clube da Esquina
nem que gosto de tomar cerveja com velhos amigos
e saber que vale a pena
dos gatos que ficam por aqui e sempre me observam
nem sabe do poema que fiz quando olhei para os seus olhos
e que joguei fora- vômito saindo da garganta
não sabe que seu cheiro está em meu corpo
como ferroada de marimbondo bravo
não sabe que depois de ontem
me dissolvi como açúcar no café quente
e ainda estou aqui ao lado do telefone

(imagem: fonte desconhecida)

segunda-feira, junho 15, 2009

por ali

( estudo para aquarela/ paisagem/ rafael godoy)

caminhei por ali onde um amigo dos mais queridos
acabava de ser enterrado e o céu estava nublado
um vento frio entrava nas frestas da roupa

fiquei assim olhando aquele lugar cheio de árvores e um lago quase azul
e olhei os nomes de quem já estava debaixo da terra úmida
e pensei em cada nome que li e nas pessoas que poderiam ter sido

olhei a terra mexida e cheia de flores em cima do cimento
e sabia que ele estava ali com o corpo frio
e não queria pensar nele ali debaixo da terra

me lembrei de quando viajamos
das cervejas que tomamos e das músicas que cantamos
dos lugares e das pessoas
de como era bom estar do seu lado mesmo em silêncio
nos risos cúmplices e nos momentos de raiva
de como implicava comigo quando eu derrubava alguma coisa
ou quando lambuzava minha boca e minha mão de manteiga
ou trocava as palavras de um jeito distraído
e quando ele fazia palhaçadas e ria de si mesmo e do mundo

me lembrei de sua família perdida sem sua presença
dos filhos sem pai e do fogão a lenha

me lembrei de uma vida inteira com sua voz sua música sua dança
de um dia quando saímos de manhã e voltamos só de madrugada
e das longas conversas sobre a vida essa mesma vida que ele perdeu
e de deus de sentidos de indagações de confidências de perplexidades

caminhei por ali e pensei que ele estava debaixo da terra
e não queria pensar nisso
já era noite e os faróis dos carros brilhavam
no céu nublado somente uma estrela
e na terra um cheiro de flores

( O Vu se foi dia 10/06/2009)

terça-feira, junho 09, 2009

hoje tem um poema meu no poema dia

Já publiquei, mas se quiserem, deem uma espiada. Beijos.

http://poemadia.blogspot.com/

quarta-feira, junho 03, 2009

lobos


quando lobos da cidade com seus olhos de neon
sobem solitários a ladeira fria do bairro
mesmo que não tenha lua e a noite seja de ventos
pensam em suas vidas na fumaça e no uísque que deixaram nos bares
nas mulheres que beijaram e juraram ser únicas
pensam que amanhã pode ser diferente mesmo sabendo que não
entram em casa e olham suas mulheres
dormindo amassadas e quase puras e os filhos no quarto ao lado

esses lobos viram anjos subitamente
vestem a camiseta branca e escovam seus dentes
como a limpar os restos do pecado
desejam bons sonhos em silêncio
se enroscam em suas mulheres sob o edredon macio

à noite se esquecem e voltam aos lugares perdidos
beijam mais mulheres e bebem mais uísque
marcam seu território com mãos, línguas e histórias inventadas
e a lua aparece azulada e tímida
esses lobos uivam e seus olhos são de neon