segunda-feira, maio 19, 2008

Não podia ouvir mais esse blues. O nome do cantor não sabia, mas tinha uma voz meio rouca, meio doce. Entrava na minha alma, como se entra em um lugar conhecido. Desliguei o som e saí pela cidade à procura de um lugar que me fizesse esquecer , de algum modo, o peso do dia. Não vi nenhum rosto conhecido. Entrei em um boteco querendo beber algo pra me aquecer daquele frio intenso que insistia em entrar no meu corpo. Já era noite. E então vi alguns homens jogando sinuca em um êxtase quase animal. Foi como a cena de um filme e eles pegavam no taco como se pega uma mulher. E eles se mexiam, giravam o corpo , miravam o buraco , se contorciam feito serpentes. Ali, naquela hora, pude perceber um sentido para a vida. Um chegou perto de mim e me ofereceu um conhaque. E sentou-se à minha mesa e me olhou. Não falou nada e eu nem perguntei. Ficamos ali, talvez, minutos, horas, a noite toda. Bebemos vários conhaques, o corpo quente, o brilho nos olhos. E então ouvi aquele som, um blues cantado por uma voz rouca e doce. Acho que ele me beijou e disse alguma coisa sobre os perigos da noite.