É claro que não foi do jeito que eu imaginava. Nem podia ser. Aquela hora em que as pessoas passam voltando para casa, a cidade gemendo buzinas e sirenes, a correria louca desatinada e ele ali , sentado , tomando um café e pensando no que vai me dizer. Então chego e trago um sorriso meio tímido, meio assustado. Ele acende um cigarro e joga a fumaça para o ar e me pergunta o que fazer. Falo sobre o trânsito, da casa velha que ficava perto do Arrudas e de contas a pagar.-Você já viu aquele filme? Ele responde que não e sussurra uma melodia dos Beatles: "I'm so tired".... Pergunto o que almoçou hoje e ele me ignora. Raspa a garganta e acende outro cigarro. Disparo na fala, insinuo ciúmes, imito a cena de um filme que vi algum dia. Peço um uísque com gelo. Ele diz que bebo demais, que é cedo pra começar. Não retruco, concordo em silêncio. Ele também pede um, sem gelo. Pego um embrulho, guardado na bolsa e entrego pra ele. Ele me olha com os olhos molhados e escuros como a noite que chega. Não consigo ficar parada e peço mais um uísque, vou ao banheiro, molho o rosto na água fria, as lágrimas são quentes . Percebo quando estou voltando que a mesa está vazia. Tem um guardanapo e um trecho de " I"m so tired" , escrito com tinta azul: " I wonder should I get up and fix myself a drink?" Ele volta. O copo na mão. "I'd give you everything I've got for a little peace of mind". Vamos de mãos dadas para casa.
(texto escrito há mais tempo)
34 comentários:
Conseguiste escrever neste poste o qe se passa em tantas e tantas famílias pelo mundo fora. A realidade nua e crua de tantos casais.
A vida é feita d encontros e desencontros.
Beijinhos
"Tem um guardanapo e um trecho de " I"m so tired" , escrito com tinta azul: " I wonder should I get up and fix myself a drink?" Ele volta. O copo na mão"
esse trecho é simplismente perfeito!
drika, fico boba com suas prosas...Amo demais!
A simplicidade das coisas banais ,do dia dia são definitivamente o seu forte.
Lindo!
Beijos, Anita.
...éh, mineirinha!!!
a tempos que não vejo
uma net-escritora com
essa pegada, essa abstração
feminina tão ampla e sem
afetação tão característica
da feminilidade expressa em
outras poetisas. Em torno do
seu umbigo outros universos
giram com gravidade própria,
sem que a sua se sinta afetada,
aliás, parece que voce se beneficia disso. Isso te faz
nova e aprisionadora.
Fiquei um bom tempo por aqui...
bj
E o que haveria no embrulho?...
(lindo)
o Martins conseguiu escrever mais ou menos o que me sucitou esse teu texto, Adriana... bom demais!
bjos
Muito bom, Adriana!
Um dejá-vu que ninguém ousa e você ousou e ficou lindo. Os diálogos com respostas "In ENGLISH" enriqueceram mais ainda. O choque da água fria com as lágrimas quentes...enfim, BELÍSSIMO!
Parabéns, amuga!
Beijos
Mirse
Excelente mini-conto. Parabéns, Adriana Godoy.
Venho lhe visitando, discretamente, há algum tempo. Por meio do blog da H.F. cheguei até o seu espaço que é fantástico.
Estou linkando o endereço de seu blog no Simplesmente Poesia para melhor acompanhar as suas escritas.
Abraços,
Maria Clara.
Gosto de texto que nos remete a uma reflexão quase que "casualmente" e nos "atropela" com a vida real.
Beijos,
Lou
JC, Anita, Guru, Renata, Cosmunicando,Mirse, Maria Clara, Lou,
Cada comentário deixa uma vontade de escrever mais. Cada um é especial pra mim. Obrigada mesmo. Beijos.
...sobre "SAPIENCIA"
normalmente evito publicar
esse tipo de texto-e tenho outros-pois são muito chocantes
e nascem de observações e vivencias
não muito diferentes e penso que a arte tem o compromisso primeiro com a beleza, mas a muito custo resolvo publica-los...
E após isso, receber uma referencia de alguém da tua estatura, suaviza muito em mim,
o meu rigor e prevenção a respeiito de tocar em outro ambiente emocional dos nossos
bem vindo frequentadores.
Obrigado, querida, sua apreciação vale muito!!!
bj
gosto muito da cena, da boa descrição...o desfecho está bonito, de mãos dadas...seguimos assim.
confissão: há tempo fiz uma peça (amadora, mais ou menos) em resende (rj), chamava-se tupinim - e eu como protagonista. a cena mais difícil tinha como fundo musical...
adivinha???
um beijo.
Guru, que elogio,heim? Continue publicando, isso sossega o coração.Muitíssimo obrigada. Bj
Adriana, que bom o seu comentário.Bj
Bardo, I'm so tired sempre me inspirou. Bj
em minha primeira visita aqui lhe disse do meu encanto com essa trua foto do perfil. por ela suscitar exatamente o que escreve nesse texto.
sabe que é minha cara, né?! :)
beijo :)
Uma maravilha, pra variar, lembrei-me dos versos de Cazuza:
Nós
Não e só pensar no fim
nas profecias,
não, não, não , não
é pensar que um dia
sob algum luar
vou te mandar um recado,
um reggae bem gingado,
alucinado de amor,
amassado num guardanapo...
Grande abraço, vida longa.
Nina, fico feliz com isso. Bj
Luciano, meu dileto poeta, que ótima lembrança. Adoro sua visita. Beijo.
Um belissimo texto com muitos pontos de vista, muito interessante,
parabens
Vou estar mais atento
Antonio Gallobar
Trilha sonora e alcoólica maravilhosa, e o texto atenua a intensidade do momento de lágrimas quentes, mãos dadas e whisky.
Muito belo.
Beijão.
A urbanidade é só a casca, por trás há toda uma dor, uma ternura, uma delicadeza disfarçada de cidade e de cotidiano. As pessoas são ppedaços de desespero.
E Beatles e a melhor banda do mundo. E o álbum branco é, junto com o revólver, o meu predileto.
Beijo,
Daniel
Tomaz,o seu comentário desce como um bom uísque. Bj
Daniel, que sensibilidade para entender o texto e tirar essas palavras! Putz, delírio! Também amo o álbum branco e os Beatles são a maior banda da terra mesmo!! Beijo.
Gallobar,(não sei como apareceu em meu blog), obrigada pela visita.
Adriana, belíssima a pintura do Rafael. Teu texto tem um visual carregado, até imagino as cores... é realmente a descrição de uma cena de filme realista, tem muito do Artur Miller, sei lá gostei e gosto muito de teu estilo.
Beijos
Outro ótimo texto e outra magnífica ilustração.
Beijos
Isabel, é bom receber um comentário como esse. Sempre incentiva. Obrigada mesmo. Bj
Fred, sua visita sempre inspira também. Obrigada. Bj.
Imagino essa cena direitinho. Mesmo vc sempre dizendo que é "eu lírico", vejo vc de verdade , em um daqueles bares de esquina,na Savassi, os carros, o barulho, a confusão, e vc tomando seu chopp ou com um copo de cerveja(não uísque) com N. e falando aquelas coisas que só vc sabe...ê Dri, juro que desta vez vc se entregou´. Gostei muito. Beijos.
Renato, não sei o que dizer. Não vou confirmar nem negar o que vc disse. Às vezes, as coisas se misturam muito e fica difícil determinar até onde sou eu mesma ou não. Não importa. Aliás, isso é o menos importante, ok? Obrigadíssima pelo comentário e suas constantes visitas.
A gente toma uma geladinha qualquer dia desses. Bj
Adriana, dá filme. Eu vi!
Jim Jarmusch faria com prazer. A cena tá pronta pra ele. Avisa lá!
Genial, genial.
Se todos os casai fossem assim seriam eternos.
C.Diária, obrigada pelo comentário, nem sei o que dizer. Bj
cidade
Cra, cidade sem sol com buzina e carros.
Demais Adriana... tenso, e lindo.
bjo.
Valeu, V.M.Paes, sempre boa sua visita.Bj
"a cidade gemendo buzinas e sirenes, a correria louca desatinada" - pintou um quadro perfeito.
Bem narrado, entrei fácil no texto.
Gostei muito. Imagino o final de tarde barulhento e alaranjado carioca...
voltarei amis vezes .
inté
"Ele me olha com os olhos molhados e escuros como a noite que chega."
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