quinta-feira, abril 25, 2013





Hoje é o aniversário de minha mãe. 88 anos. E faz  mais de dois anos que ela está  se alimentando através de sonda, respirando pela máquina, sem falar, sem nunca mais falar. No entanto, seus olhos brilham e nos dizem coisas que não sabemos o que é, mas sentimos forte, muito forte.
Mamãe continua imóvel numa cama e é aniversário dela. Não sei se sabe que hoje é seu dia. Talvez ela pense na família, na grande família em volta da mesa ou espalhada pela casa, na música, nos risos, nos abraços, no amor e na solidão de cada um de seus filhos. Seus oito filhos. Talvez pense no seu companheiro que já se foi há muito tempo. Talvez sua festa seja em outro lugar. Um lugar que não podemos alcançar. Hoje é aniversário de minha mãe e não sei comemorar. Não consigo comemorar. Só sei dizer do amor que tenho por ela pra sempre.

terça-feira, abril 23, 2013

vem com aquele papo que todo político não presta com aquele discurso da globo que os eua são mais importantes que essa gente que passa  todo dia em sua rua às seis da matina pra pegar o ônibus e pegar a vida por mais um dia. eles dizem que os eua são mais importantes que todos países da américa latina e todos os países do mundo e podem insistir que o vencedor da eleição na venezuela  não é legítimo porque o candidato não é o que eles querem. os eua podem inventar uma guerra e destruir um país porque eles precisam do petróleo e matam e dizimam e torturam em nome da democracia. ensinam a guerra e vendem armas e vendem sua ideologia de terror e os culpados são dois jovens e todos os árabes muçulmanos latinos brancos amarelos negros vermelhos que ousem desafiá-los. você vem com esse papo que eles estão certos que a bomba que explode lá é mais importante que a fome na áfrica. que a o jeito que eles lidam com o resto do mundo é mais que justo. que eles não conseguem dormir mais sem pensar no inimigo que está á espreita e podem atacar a qualquer momento. que os eua são mais importantes que a noite que vem com estrelas que o vento que sopra em sua janela nessa manhã fria e clara de abril. você vem e eu queria que meu país fosse mais igual que em cada esquina tivesse mais livrarias e que todas as  pessoas pudessem ler e sentir a poesia que está escondida em cada beco em cada casa em cada ato de amor ou de solidão. que as pessoas pudessem tomar mais vinho mais uísque e pudessem fumar o seu cigarro sem grilhões. que as ruas tivessem mais teatros e cinemas e bares. que mainards jabores azevedos felicianos fossem espécies em extinção. que os poetas fossem ouvidos que houvesse mais bortolottos  kerouacs e leminsks.  que chico e os stones fossem eternos e que  essa música que toca pudesse trazer algum tipo de paz.

quarta-feira, abril 17, 2013

quero a noite




arte: rascunho de mulher/ rafael godoy


ainda que o corpo clame
sinto em mim um deserto morno
a luz que bate de manhã e me faz fechar a cortina
tenta entrar pela fresta de outra janela
os projetos em cima da escrivaninha me olham
os livros que não consegui ler empilhados
e bananas apodrecendo na fruteira
ontem dormi em outra cama
e ouvi : amor, quer café ou suco?
hoje ouço os carros e as pessoas indo pro trabalho
e sei que breve estarei lá misturada nas ruas e nas pessoas
as notícias mais terríveis a desumanidade
as atrocidades sem medida as tragédias
os deuses devem estar dormindo há séculos
esse sol me atordoa quero a noite
e a brisa que soprava do mar

domingo, abril 14, 2013

pássaro noturno

 
 
 
 
 
venho te dizer que não  preciso mais de seu sorriso claro
nem de seus olhos úmidos quando se despede
acordei antes do dia e vi alguns pássaros noturnos procurando  luz
quando a manhã chegou, desapareceram
descobri que sou um pássaro sem canto e sem asas
preciso ficar no escuro algum tempo
quando o inverno chegar talvez saia com o frio
e me esconda debaixo de blusas negras e quentes
não tem espaço pra você, meu amor
sua alegria não pode se perder em mim
nem sua juventude enroscar-se na minha pele gasta
sou um pássaro noturno e preciso do escuro
não mais de seu brilho nem  de sua beleza

sábado, abril 06, 2013

Ora direis





 

Havia 25 milhões de estrelas aquela noite. Foi o que consegui contar. Apertava meus olhos com força para ver se não estava imaginando coisas. Mas não adiantava. Elas se mexiam. Na minha visão míope pareciam bailarinas ensandecidas. Era como dançassem uma dança meio triste, meio azul. As estrelas falavam. O Bilac não saía de minha cabeça: " Ora direis ouvir estrelas, certo perdeste o senso"... E eu as ouvia sim, nitidamente, intimamente. E com medo de mim, fechei a janela. Mas pela fresta, ainda percebia um movimento silencioso daqueles olhos brilhantes, daqueles milhões de olhos brilhantes me olhando.

terça-feira, abril 02, 2013

lobos



 
 



quando lobos da cidade com seus olhos de neon
sobem solitários a ladeira fria do bairro
mesmo que não tenha lua e a noite seja de ventos
pensam em suas vidas na fumaça e no uísque que deixaram nos bares
nas mulheres que beijaram e juraram ser únicas
pensam que amanhã pode ser diferente mesmo sabendo que não
entram em casa e olham suas mulheres
dormindo amassadas e quase puras e os filhos no quarto ao lado

esses lobos viram anjos subitamente
vestem a camiseta branca e escovam os dentes
como se fossem limpar os restos do pecado
desejam bons sonhos em silêncio
se enroscam em suas mulheres sob o edredon macio

à noite se esquecem e voltam aos lugares perdidos
beijam mais mulheres e bebem mais uísque
marcam seu território com mãos, línguas e histórias inventadas
e a lua aparece azulada e tímida
esses lobos uivam e seus olhos são de neon 

(republicado)