sexta-feira, setembro 17, 2010

filhos na noite

imagem: google

irmãos na noite espalhados
na casa da velha mãe
hoje não é festa, não é aniversário
e surge a pergunta mortal
quem vai ficar com ela?

como se ela não pensasse
como se ela fosse a carga mais pesada

a mãe poderosa infalível
mas memória falha
mergulha nas suas sombras
nos seus medos e sofre

por que meus filhos estão aqui?
queria afagá-los
queria carregá-los no colo
queria alimentá-los e enchê-los de alegria

os filhos como morcegos agitados
começam a se debater
quem vai ficar com ela, a mãe?

uns esbarram as asas frágeis nos outros
uns tentam perfurar o coração dos outros
uns se acham insubstituíveis
são líderes, poderosos, ou mais sábios
outros apenas ouvem calados o que se fala

e no fundo do corredor, em seu quarto,
a mãe adormece, preocupada com suas crias

o cansaço da vida faz doer o seu corpo
as suas pernas são quase inúteis
e no seu peito o coração metálico
marca os seus passos dia a dia

e nessa noite ela sonha
sonha com a família em volta da mesa
as conversas intermináveis,
os risos, as piadas, as brigas, a comilança
seus filhos não cresceram tanto
e o seu velho companheiro ainda esta lá

nessa noite, ela sonha

os morcegos, suas crias, levantam voo
cada um com a sua culpa, cada um com o seu pecado

imaginam que poderiam cantar uma canção
que embalasse o sono de sua mãe
essa mulher que tanto amam
que guarda tantos segredos

mas não sabem como
e choram

suas asas pesam
como se carregassem a humanidade inteira
como se já estivessem definitivamente
presos em suas cavernas mais escuras

(texto republicado)

22 comentários:

Unknown disse...

DRI!

Chorei, viu?

Sei que um dia vou ouvir isto, mas com a certeza que ninguém vai querer.

Passei isto com minha mãe e meu pai. Oito filhos. Só eu fiquei. E como foi bom. Não me arrependo dos empregos que perdi e de todas as brigas pela minha dedicação à eles.

Lindo! Maravilhoso, mas chocante!

Beijos

Mirze

pianistaboxeador21 disse...

Maravilhoso. Lembrou-me de um monte de coisa... de Clarice Lispector.
Que excelente poeta vc é.
Parabéns!!!

Luciano Fraga disse...

Minha querida poeta, já havia lido este texto/poesia,tristemente real, maravilhoso e que certamente trata de algo que um dia também nos atingirá, lembro -me de uns versos de Z. Ramalho que diz algo assim:

"Compareceram em chamas

Estrangularam as falas

Carbonizaram miúdos

Perpetuaram-se em galas




Filhos de Freud

Filhos de Marx

Filhos de Brecht

Filhos de Bach


Filhos do câncer

Filhos de Getúlio

Filhos do Carbono

Filhos de Lampião

Filhos do Carbono

Filhos de Lampião


Se fosse fácil todo mundo era
Se fosse muito todo mundo tinha
Se fosse raso ninguém se afogava
Se fosse perto todo mundo vinha


Se fosse graça todo mundo ria
Se fosse frio ninguém se queimava
Se fosse claro todo mundo via
Se fosse limpo ninguém se sujava


Se fosse farto todos satisfeitos
Se fosse largo tudo acomodava
Se fosse hoje todo mundo ontem


Grande beijo.

Ribeiro Pedreira disse...

mas, ainda assim, "só as mães são felizes".
bjs!

Fabio Rocha disse...

Dri, sou um pouco mais teu fã, agora. Texto maravilhoso... Bjs

Anônimo disse...

Tão intenso, tão profundo! Demais, Dri!

Beijo.

Maria Paula Alvim disse...

É o tipo de coisa pelo qual nenhuma mãe quer passar, não? Muito belo o poema. Abraços.

Andrea disse...

Nenhuma mãe quer passar, mas passam as mães quem sabe os pais... Só sei Dri, que a gente, filho vai se perguntando, e tentando cantar e ninar e fugir do tanto que nossas asas pesam do peso de nossos pecados e nossa dúvida e dívida se estamos fazendo o certo para nós e/ou para eles, sei lá!
Quem vai ficar com ela, ou com ele, ou conosco?
Difícil responder, não é mesmo?

bjim
Andrea

Andrea disse...

ô adorei o que o Luciano Fraga postou, posso copiaar e usar em alguma coisa quando eu tiver que falar alguma coisa?Quem é Z.Ramalho????

Andrea

Wania disse...

Dri

Já tinha gostado muito desta tua poesia quando foi publicada pela primeira vez. Agora relendo-a só posso confirmar a minha primeira impressão.

Triste realidade tão bem capturada por ti, infelizmente muito mais presente do que gostaríamos que fosse.


Bjs

Nilson Barcelli disse...

Adriana, li alguns poemas seus e gostei. Vc é poeta.
Cheguei aqui através de amigos comuns. E voltarei.
Beijo.

BAR DO BARDO disse...

Em adolescente, assisti a um "Caso especial" (ou coisa que o valha) na Rede Globo. Acho (memória falha) que era baseado num conto da ucraniana Clarice Lispector.

Bem, o seu poema se parece.

A ideia aterrorizante de uma velha sem o apoio da família sempre me vem à mente e ao coração...

Não sou exatamente uma velha, mas já sou quase velho e tenho um pé no pântano da depressão.

Felizmente, não estamos sozinhos neste mundo. Tenho filha e uma mulher. Sozinho eu me mataria rápido, rápido.

Gostei do poema e creio (ai, memória) que ainda não o lera.

Felicidades, cara!

(Parabéns pelo livro!!!)

Marcelo Novaes disse...

Dri,


A noite ensombrece os [re]encontros.







Um beijo, amiga.

Anônimo disse...

Adriana,
no seu perfil você diz: "sou um pouco do que escrevo, o resto, também gostaria de saber" eu não preciso saber mais nada sobre você e muito menos você, porque você É uma tremenda de uma poeta e isso já basta. Esse seu poema toca profundamente o o coração e a alma. Parabéns!
Mauro Lúcio de Paula

byTONHO disse...



A cri.adora as crias
e crê na dor.ida fé.ri da VIDA...

Plac! Plac Plac!

Este é um mais intensos que li por aqui!

Be:)os!

José Carlos Brandão disse...

Toda uma história de vida, Adriana, dolorida, esfumaçando-se se sem alegria nenhuma.
Falaram em Clarice Lispector? É o conto Feliz Aniversário - mas Clarice é mais feliz, a dor na ficção é mais contida; você, na poesia, dói mais. Os morcegos não atenuam a dor.
Beijo.

pianistaboxeador21 disse...

Oi Adriana, muito obrigado pela consideração. O endereço é Rua Manoel Paschoal 17A, CEP 08150-000. Itaim Paulista - São Paulo -S.P.

Obrigado

Gerana Damulakis disse...

Entrei aqui porque fiz minhas as suas palavras no comentário do mais recente poema de Pimenta, no Bar do bardo. Eu estava pensando exatamente o mesmo.
Bom, entrei aqui e fiquei, sinceramente, surpreendida com seu poema. Um poema forte, intenso. Parabéns!

Gerana Damulakis disse...

Entrei aqui porque fiz minhas as suas palavras no comentário do mais recente poema de Pimenta, no Bar do bardo. Eu estava pensando exatamente o mesmo.
Bom, entrei aqui e fiquei, sinceramente, surpreendida com seu poema. Um poema forte, intenso. Parabéns!

Renata de Aragão Lopes disse...

"essa mulher que tanto amam
que guarda tantos segredos

mas não sabem como
e choram"

Fortíssimo, Dri!

Um beijo,
Doce de Lira

Carlota Joaquina disse...

Imagina colocar a Lílian pra ler esse poema pro Arnaldo? Juro que ela não vai conseguir, mesmo depois de mil tentativas....assim como eu, q já chorei várias lendo ele de tão lindo que é esse poema seu feito pra minha sogrinha predileta.
Te amo cunhadão, cada vez mais,

Super beijo

Barone disse...

Que forte. Emocionei.