Nessa hora a chuva cai.
Não tenho planos, não penso o que vou fazer amanhã, muito menos daqui a alguns anos.
Meus filhos estão longe, a casa vazia.
Os gatos me olham e parecem dizer: será que ela não vai fazer nada? E ao mesmo tempo gostam da minha presença, aninham-se aos meus pés.
Não consigo procurar amigos e nem parentes. Nem fazer qualquer coisa para comer. Quando me dá fome, tomo um café que está ali, ao meu alcance e mastigo um pão de forma velho com manteiga.
A geladeira , como disse alguém, um deserto frio e árido. Não tem bebida, nem vinho, nem cerveja. O cigarro me acompanha em meus devaneios. Gosto de chegar na área e olhar a chuva.
Busco compreender algumas coisas em mim, mas isso também passa. Não estou alegre, nem triste, nem nada. O telefone toca e é uma promessa de encontro. Não quero também. Tenho que me vestir, me arrumar, sair de casa ou preparar a casa para alguém. Então dou uma desculpa qualquer e fujo de qualquer compromisso. Gosto da casa assim, com a cama desfeita, mas aconchegante, com algumas coisas fora do lugar, que fui eu que deixei. Os livros assim espalhados. Leio, mas não me prendo a nenhum. Um poema aqui, outro lá. Trechos de obras já lidas. Às vezes um livro inteiro em poucas horas. Mas é assim que gosto. Vejo tevê e procuro alguma coisa que preste. É difícil, mas consigo. Também, se quiser, mudo o canal a qualquer momento e brinco com as imagens. Ouço uma música que há muito não escuto e me surpreendo: como eu gostava daquela música! E acho uma merda. Durmo em alguns momentos e tenho sonhos estranhos, como ir ao fundo de uma piscina funda, muito funda, cheia de folhas e lama e conseguir voltar à superfície, ilesa. E quando volto à tevê, assisto a uma cena semelhante. Só que o cara não teve a mesma sorte. Afogou-se.
Tocam o interfone. Pode ser o gás, o correio, alguém pedindo alguma coisa, ou mesmo, um amigo. Mas não atendo. Não quero sair dessa inércia. Parece que a chuva parou. E eu parada aqui e os gatos me olham.
(republicado)Meus filhos estão longe, a casa vazia.
Os gatos me olham e parecem dizer: será que ela não vai fazer nada? E ao mesmo tempo gostam da minha presença, aninham-se aos meus pés.
Não consigo procurar amigos e nem parentes. Nem fazer qualquer coisa para comer. Quando me dá fome, tomo um café que está ali, ao meu alcance e mastigo um pão de forma velho com manteiga.
A geladeira , como disse alguém, um deserto frio e árido. Não tem bebida, nem vinho, nem cerveja. O cigarro me acompanha em meus devaneios. Gosto de chegar na área e olhar a chuva.
Busco compreender algumas coisas em mim, mas isso também passa. Não estou alegre, nem triste, nem nada. O telefone toca e é uma promessa de encontro. Não quero também. Tenho que me vestir, me arrumar, sair de casa ou preparar a casa para alguém. Então dou uma desculpa qualquer e fujo de qualquer compromisso. Gosto da casa assim, com a cama desfeita, mas aconchegante, com algumas coisas fora do lugar, que fui eu que deixei. Os livros assim espalhados. Leio, mas não me prendo a nenhum. Um poema aqui, outro lá. Trechos de obras já lidas. Às vezes um livro inteiro em poucas horas. Mas é assim que gosto. Vejo tevê e procuro alguma coisa que preste. É difícil, mas consigo. Também, se quiser, mudo o canal a qualquer momento e brinco com as imagens. Ouço uma música que há muito não escuto e me surpreendo: como eu gostava daquela música! E acho uma merda. Durmo em alguns momentos e tenho sonhos estranhos, como ir ao fundo de uma piscina funda, muito funda, cheia de folhas e lama e conseguir voltar à superfície, ilesa. E quando volto à tevê, assisto a uma cena semelhante. Só que o cara não teve a mesma sorte. Afogou-se.
Tocam o interfone. Pode ser o gás, o correio, alguém pedindo alguma coisa, ou mesmo, um amigo. Mas não atendo. Não quero sair dessa inércia. Parece que a chuva parou. E eu parada aqui e os gatos me olham.
28 comentários:
Sem planos,
mas plena.
Da casa vazia,
com a cama desfeita,
com tudo ao seu alcance,
mas com a chance da recusa.
Toda as vezes
em que fala dos gatos
- e não são raras -,
sinto uma vontade
súbita e imensa
de cuidar de um
pra que cuide de mim...
Um beijo
e excelente fim de semana, Dri!
drika, confesso que nesse texto a apatia é intrigante...como dedos percorrendo um corpo morto que ainda respira algo por estar ali.toda essa confusão de sentimentos nos pertuba , nos faz mas próximas do personagem. o que incomoda é que temos um pouco dela, o que incomoda é que guardamos essa inércia como um valioso presente.
Ps:a pintura magnifica+ prosa fenomenal :um super combo duplo grande com surpresa no final(rs)
amei tudo isso.
beijos enormes pra ti.
Anita.
Xará,
Que delícia de estar...em casa com gatos, sem fazer nada, e a chuva...ah, a chuva nos dá preguiça de existir.
Adriana, esse texto bateu certinho com minha rotina nos dois ùltimos anos,outro dia pude perceber que havia passado um domingo inteiro sem trocar uma palavra sequer, exceto comigo mesmo,confesso que muitas vezes tem sido bom, tenho aprendido muito com isso, a solitude também é saudável.Lembrei-me de um poema da Cecília que diz;"não sou alegre nem sou triste, sou poeta, irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento, atravesso noites e dias , no vento.Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, não sei se fico ou passo,eu sei que canto e a canção é tudo, tem sangue eterno e a asa ritimada e um dia eu sei que estarei mudo, mais nada..."Belíssimo e emocionante texto minha poeta querida.
É interessante constatar que esta cena é, às vezes, o meu sonho de consumo (risos), mas que, outras vezes, me causa preocupação, como se significasse o ápice do niilismo. A minha natureza é mais adaptável a esta aparente inércia que à agitação. Digo aparente porque não se pode chamar o ócio criativo de inércia, e, além disso, este trecho “Leio, mas não me prendo a nenhum. Um poema aqui, outro lá. Trechos de obras já lidas. Às vezes um livro inteiro em poucas horas.” denuncia a inquietude que é, talvez, um paradoxo à inércia.
Ótimo texto, Adriana.
Bom fim de semana.
Beijos
:) Jesus te ama! E eu também! :)
Adri, O rascunho da aquarela do Rafa é sensacional como sempre.
Sabe que acabo de ler em seu texto o que eu gostaria de fazer de quando em quando, mas não dá. Só dispensaria a tevê, pois isso me dá tique-tique nervoso, do resto adoraria não fazer ou fazer dependendo da minha vontade.
Teus textos são cada dia mais maravilhosamente impunes.
Beijão
Estercita
bem, eu gosto da coisa beatinick, cê sabe, mas... pô, quando é da desconhecida a quem ofereço flores há mais de três mil quilometros de saudade... é muito lirismo!!!!
seu filho arrasa. aquela do poste anterior-deletado era INCRÍVEL, mas estas aquarelas me comovem demais...
beijo :)
...
Não sei o que dizer, Dri.
É afonia do impacto.
No blog "Voz", fico muda, às vezes.
...
Bjo!
E é tudo!!!
Ecoa ao vento
que balança as cortinas
e derrubou meu cigarro no tapete
Voa dor neste tempo
só a chuva parece difinitiva
e não acredito no vento
para afastá-la daqui
Adriana Godoy, gatos e livros
configuram uma cena exemplar
o pulo sábio no exato momento
do ataque de canina rotina
Gostei muito do estilo...
Drika, seu texto casou com essa aquarela de um jeito incrível.
Não senti nada desconfortável nessa solitude, pelo contrário, acho que ela é uma reclusão saudável e necessária algumas vezes. Tenho os dois extremos em mim: momentos como esse e outros em que quero dividir as idéias, estar junto das pessoas.
Acho que a gente oscila entre as duas coisas, dependendo da época.
beijo
Sempre voltamos à superfície, embora não muito ilesos. (Sei, ou se é ileso ou não, mas nunca somos os mesmos.)
Beijo.
ADRIANA, VOU ATÉ PEDIR DESCULPAS POR POSTAR. OLHA, NÃO PRECISA LER, VIU?
TENHO DIAS ASSIM. ME TRANCO NO MEU QUARTO E DEVANEIO. COMIDA, NEM PENSAR, ALÍÁS VOU COMPRAR UM BOM APARELHO DE SOM E COLOCAR NO LUGAR DO FOGÃO.
ATÉ A MÚSICA.... LIGO, DESLIGO E ME ABANDONO. NÃO ATENDO TELEFONE, MUITO MENOS INTERFONE.
MARAVILHOSO SEU TEXTO.
ACHO QUE TODO MUNDO DEVIA FICAR ASSIM DE VEZ EM QUANDO OU DE QUANDO EM VEZ!
PARABÉNS1
APLAUSOS!
BEIJOS, SUA FÃ
MIRSE
A solidão e o silêncio fazem parte da rotina de um artista, assim como você o fez.
Amo sua forma estranha de escrever, pois me identifico, penso não ser a única que é excêntrica.
Super beijo amada!
...e ao que parece
vão continuar te olhando
pois esse torpor
é daqueles
que só permite atenção
dos e aos gatos...
bj
...e ao que parece
vão continuar te olhando
pois esse torpor
é daqueles
que só permite atenção
dos e aos gatos...
bj
Lindeza é esse texto que faz até chuva parar.
Beijo grande, menina linda.
Rebeca
-
Adriana,
Lindo um texto. Quase um filme desse sentimento que a gente conhece tanto. Poético e repleto de imagens.
um beijo,
Cynthia
Também não vou te incomodar. Te deixo entregue suave à sua doce melancolia. Em S>P>, depois de duas semanas, a chuva passou.
Beijos
Quem nunca se sente assim?
Belo encaixe do texto e ilustração.
Beijos!
AVACANOAR OU AVACALHAR?
O MELHOR DOS COMENTÁRIOS:
"Da casa vazia,
com a cama desfeita,
com tudo ao seu alcance,
mas com a chance da recusa."
Renata
"rotina nos dois ùltimos anos,outro dia pude perceber que havia passado um domingo inteiro sem trocar uma palavra sequer, exceto comigo mesmo,confesso que muitas vezes tem sido bom, tenho aprendido muito com isso, a solitude também é saudável."
Luciano
"É interessante constatar que esta cena é, às vezes, o meu sonho de consumo (risos), mas que, outras vezes, me causa preocupação, como se significasse o ápice do niilismo."
Fred
"Quem nunca se sente assim?"
Lara
O PIOR...
Perdão, enfim aprendi
pela via violenta que
pudor é mero detalhe
de cor no significado
"Suave melancolia"
sublime simplicidade
para dizer a melhor
esperança de atitude
Cara Adriana, coloquei um de seus belos textos em O TEOREMA DA FEIRA. Vá lá dar uma olhadinha. Espero que lhe agrade.
Abraço!
OIIIIIIIIIII
Já comentei seu poema no Teorema!
Lindo!
O Lívio tem um bom gosto.....
Beijos
Mirse
se essa malemolência (?)inspirou rafael nessa aquarela singela e sutil ...não há muito a dizer...ela faz bem!todos tem direito a gozar o"nada" senti-lo em suas variadas formas e deixá-lo ficar um pouco. seria um meditar simbólico! aproveite-o... mais um de seus textos ,que considero uma leitura de muitas almas anônimas e iguais.parabéns! adriana, só estou postando nos meus blogs...sem tempo para respostas retirei os comentários ...continuarei acompanhando os blos dos poetas queridos ,e comentarei quando for possível .
bjos querida poeta
taniamariza
Hoje, vou agradecer coletivamente, já que o tempo é curto. Obrigada a todos que perderam um tempinho lendo esse texto meio confessional. Seus comentários me deixam surpresa e envaidecida. Obrigadíssima mesmo. Beijos.
Ao Devir, que fez um apanhado dos comentários, agradeço especialmente.
O rascunho da aquarela eu o "roubei" mais uma vez dos trabalhos de meu filho. Ele não foi feito para o texto, só foi uma apropriação indevida. Mas o Rafa sabe.
não faço planos. já passei por momentos, vários, semelhantes.
ótimo post.
bj
Adoro isso, toda essa inércia...vazio....ficar só, comigo mesma...vc sabe!
Só não gostei do: "afogou-se, kkkkkk, q coisa ruim essa palavrava ai nesse texto! KKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Paradoxalmente inquietante! ;)
Bjs
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