De algum lado da cidade vinha um frio estranho para essa época do ano. Heitor abriu a janela, a pequena janela do seu quarto fedido e imundo. Colocou o rosto para fora e sentiu um vento meio de lado, que não parecia pertencer àquele lugar. Olhou para cima, para baixo, para os lados e viu que não tinha ninguém nas outras janelas, só ouviu um ruído, quase como um sopro. Lembrou-se da noite que tivera com uma mulher. Uma noite quente, extremamente calorenta. Os lençóis estavam fora do colchão, e havia restos de uísque nos copos, pontas de cigarro nos cinzeiros e um cheiro de quase morte. No chão, além da calça que acabara de pegar, um batom sem a tampa e um papel de chocolate. Ao entrar no banheiro, notou que o gás estava ligado e que a água do chuveiro caía continuamente sobre o azulejo. Fechou a torneira, o vapor condensava-se no espelho da pia. Heitor passou a toalha no espelho e o que viu o assustou. Não, não era aquele homem que aparecia ali, com os olhos vermelhos, a pele envelhecida, o cabelo desarrumado. A última imagem que tinha de si não era essa e sim a de um homem bem cuidado, perfumado. Pegou o aparelho de barbear, ensaboou o rosto e fez a barba. Entrou debaixo do chuveiro e ficou algum tempo se limpando com o sabonete de erva-doce que alguém havia lhe dado. Enxugou-se com uma toalha limpa. Vestiu uma calça jeans, uma blusa branca e saiu do quarto. Ao abrir a porta da sala, notou um bilhete debaixo da porta. Era dela, de Mirna, a mulher da noite. Uma lufada de ar gelado rompeu pela porta e o envolveu. Ficou ali parado, olhando o vazio do corredor.
4 comentários:
Quer clima mais noir que esse?? Vc soube descrever e criar um clima que envolve como o ar frio que entra pela janela. Gosto cada vez mais de seus textos.Um beijo. Renato Barros
kkkk, o pior é qd a gente toma banho, se perfuma e a cara continua a mesma: totalmente diferente daquela velha imagem q a gente insiste guardar como sendo a verdadeira.
Bjão
Olá Adriana, obrigado pela visita ao blog. Vou acompanhar o seu também. aliás, estou lendo os poemas. Um beijo.
Talvez suas palavras simples escondam preciosidades que poucos observam. Li vários poemas em seus blog e achei incrível o modo simples como vc coloca coisas tão densas. Beijo, Júlio.
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