É claro que não foi do jeito que eu imaginava. Nem podia ser. Aquela hora em que as pessoas passam voltando para casa, a cidade gemendo buzinas e sirenes, a correria louca desatinada e você ali, sentado, tomando um café e pensando no que vai me dizer. Então eu chego e trago um sorriso meio tímido, meio assustado. Você acende um cigarro e joga a fumaça para o ar e me pergunta o que fazer. Falo sobre o trânsito, da casa velha que ficava perto do Arrudas e de contas a pagar. _Você já viu aquele filme? Ele responde que não e sussurra uma melodia dos Beatles: "I'm so tired".... Pergunto o que ele almoçou hoje e ele me ignora. Raspa a garganta e acende outro cigarro. Disparo na fala, insinuo ciúmes, imito a cena de um filme que vi algum dia. Peço um uísque com gelo. Ele diz que bebo demais, que é cedo pra começar. Não retruco, concordo em silêncio. Ele também pede um, sem gelo. Eu pego um embrulho, guardado na bolsa e entrego pra ele. Ele me olha com os olhos molhados, negros como a noite que chega. Não consigo ficar parada e peço mais um uísque, vou ao banheiro, molho o rosto na água fria e as lágrimas são quentes . Vejo quando estou voltando que a mesa está vazia. Tem um guardanapo e um trecho de " I"m so tired" , escrito com tinta azul: " I wonder should I get up and fix myself a drink?" Ele volta. O copo na mão. "I'd give you everything I've got for a little peace of mind". Vamos de mãos dadas para casa.
(texto republicado levemente alterado)
(texto republicado levemente alterado)
16 comentários:
Oi Adriana , uma sequência de eventos que forma uma descrição poética do cotidiano como você sabe fazer muito bem... Bj,
Úrsula
Que disfrutes del fin de semana .. siempre es un honor pasar por tu espacio..
Un abrazo
Saludos fraternos.
E a poesia não para...
Dri, adorei esse texto.
Uma angústia implícita, o casamento da vida real com os ares cinematográficos que transforma-se num lindo trailer que só nós sabemos contar.
Sua fã!Abraços
Uma canção me levou a outra:
Movimento Dos Barcos
Jards Macalé - Capinam
Estou Cansado E Você Também
Vou Sair Sem Abrir A Porta
E Não Voltar Nunca Mais
Desculpe A Paz Que Lhe Roubei
E O Futuro Esperado Que Nunca Lhe Dei
É Impossível Levar Um Barco Sem Temporais
E Suportar A Vida Como Um Momento Além Do Cais
Que Passa Ao Largo Do Nosso Corpo
Não Quero Ficar Dando Adeus
As Coisas Passando
Eu Quero É Passar Com Elas
E Não Deixar Nada Mais Do Que Cinzas De Um Cigarro
E A Marca De Um Abraço No Seu Corpo
Não, Não Sou Eu Quem Vai Ficar No Porto Chorando
Lamentando O Eterno Movimento Dos Barcos.
beijo
adoro tuas narrativas; essa em especial me é familiar.
Como sempre lindo, DRI!
Posso ler mil vezes e sempre me encanto.
Beijos
Mirze
Como sempre brilhante minha querida poeta.Já havia lido este texto e mesmo com modificações, continuou sendo uma narrativa especial. Senti a frieza e a maneira como muitas vezes ignoramos quem está ao nosso lado, por motivos vários, beijo.
Ô poêta adriana,pô! não fica postando comentários em certos blogs,palavras indecentes,assim vc perde sua lingua querida.
um olhar atento pros detalhes do dia que ninguém vê, ou não quer enxergar.
Um calar o pranto, numa esquina movimentada talvez, de pensamentos alheios.
Meu carinho, Adriana.
Samara Bassi
a vida urbana precisa muito de sua doçura, de seu olhar, de tudo o que vem com a sua escrita.
Lindo texto, como tudo o que escreve.
um beijo, querida,
Cynthia
...levemente alterado
mas intensamente profundo
bom de rever...
bj
↓
Beleza!
"I'm só e atirado!"
:o)
olhar com olhos molhados o que se deseja e o desejado se sentir devorado, nada mais cativante se não fossem as aspas
Adri Godoy,
é um conto- líric-poético? vc arrasa!
arrasando como sempre. adri, ando sumido porque tô na estrada da vida e nem sempre tenho internet comigo.
mas me lembro sempre do seu carinho e dos seus escritos que adoro!
beijo e um forte abraço.
buenas!
bunita, hoje te ellenizo, além das flores, um canção.
um beijo.
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