quarta-feira, outubro 21, 2009
filhos na noite
irmãos na noite espalhados
na casa da velha mãe
hoje não é festa, não é aniversário
e surge a pergunta mortal
quem vai ficar com ela?
como se ela não pensasse
como se ela fosse a carga mais pesada
a mãe poderosa e infalível
mergulha nas suas sombras
nos seus medos e sofre
por que meus filhos estão aqui?
queria afagá-los e tirar deles todo sofrimento
queria carregá-los no colo
queria alimentá-los e enchê-los de alegria
os filhos como morcegos agitados
começam a se debater
quem vai ficar com ela, a mãe?
uns esbarram as asas frágeis nos outros
uns tentam perfurar o coração dos outros
uns se acham insubstituíveis, infalíveis
são líderes, poderosos, ou mais sábios
outros apenas ouvem calados o que se fala
e no fundo do corredor, em seu quarto,
a mãe adormece, preocupada com suas crias
o cansaço da vida faz doer o seu corpo
as suas pernas são quase inúteis
e no seu peito o coração metálico
marca os seus passos dia a dia
e nessa noite ela sonha
sonha com a família em volta da mesa
as conversas intermináveis,
os risos, as piadas, as brigas, a comilança
seus filhos não cresceram tanto
e o seu velho companheiro ainda esta lá
nessa noite, ela sonha
os morcegos, suas crias, levantam voo
cada um com a sua culpa, cada um com o seu pecado
imaginam que poderiam cantar uma canção
que embalasse o sono de sua mãe
essa mulher que tanto sugam, que tanto amam
que tanta admiração causa
que guarda tantos segredos
mas não sabem como
e choram
suas asas pesam
como se carregassem a humanidade inteira
como se já estivessem definitivamente
presos em suas cavernas mais escuras
(republicado)
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31 comentários:
Adriana,
tudo que você escreve é tão forte quanto a claridade do sol e tão denso quanto a escuridão da noite. Gostaria muito conhecê-la pessoalmente pra ver de onde vem tanta luz, tanta força, tanto desejo e tanto amor de mulher e de mãe.
Mauro Lúcio de Paula
Tema dificilimo, Adriana, e que você tratou com maestria resultando em um excelente poema, um poema maduro.
Parabéns!
Beijos
Poema maravilhoso! Lembrou-me do Kaddish de Allen Ginsberg. Mas o seu é mais maduro, menos ofensivo, mais poético... Abraços!
Caramba...
Gostei da densidade desta caverna cheia de metáforas, ainda vou ler com mais calma...
Estou voltando ao mundo dos blog's, ando trabalhando e estudando muito, mas dou meus pulos...
Estava com saudade de ler e interpretar sua poesia.
Beijão !
ai! fiquei em anos de reolução francesa presa numa caverna. eu era grenouille a conhecer os cheiros da escuridão. sentir essas asas.
beijo, mujer.
Mauro, quem sabe um dia...seu comentário muito me envaidece. Obrigada. Bj
Marcos, sim, os asilos são pra quem não tem ninguém...não é o caso.
Fred, lindas palvras. Adoro quando vem. Beijo.
Wilson, assim fico extremamente lisonjeada. Gostei do seu retorno. Obrigada. Bj
Tomaz, a recíproca é verdadeira. Bom retorno. Beijo.
Nina, sempre original. Valeu, flor. beijo.
Wilson, assim fico extremamente lisonjeada. Gostei do seu retorno. Obrigada. Bj
Nossa! Doeu. Muito. Me lembrou tanta, tanta coisa... Mas é assim mesmo. Tem que doer, pra vida fazer efeito naquilo que está errado. E essa coisa do poético, que é catarse (para quem lê também) faz tudo parecer possível e também viabilizador de soluções para o futuro, para o mesmo fato (ou parecido) uma outra vez. Eu não ligo de chorar quando leio poemas como esse (tão lindos); fico, até, feliz, pq me sinto viva.
Vc é incrível! Beijão. Cynthia
Doeu, Dri!
Mas é a realidade que muitas vezes nos atravessa precocemante.
O abandono, o não ser amado é a mais cruel das formas que a humanidade inventou.
Belíssimo!
Beijos, amigona!
Mirse
Cynthia, se causou tanta emoção o poema em vc é porque valeu de alguma maneira. Obrigada por suas palavras tão sensíveis. beijo.
Mirse, sei que doeu em vc,por sua extrema sensibilidade. Valeram as palavras. É bom ter vc aqui. Bj
Adriana, acho que posso dizer que esse lado meu que agora aqui está deve muuuuuuuuuuuuuuuuuuuito à força que você sempre deu para que ele não se esquecesse de si.
Um beijo grande. Estava com saudades de sua visita.
Cynthia
espero que o momento difícil tenha passado de vez. Excelente poema.
sempre muito delicado.
Beijo
Não sou mãe, mas é assim que imagino que elas se sentem às vezes. Bonito poema, gostei muito.
Beijos.
Cynthia, valeu! bj
Daniel, sim, por enquanto. Beijão.
Lara, interesante seu comentário. bj
Oi Adriana, o tema família é sempre complexo e delicado de ser versejado e você conseguiu elaborar um poema forte, expressivo, abordando o tema com inteligência e criatividade, dentro dsta analogia com os morcegos. Bj.
Me gusto el poema tocas un tema que cuesta escribirlo..
pero tu lo haces de maravilla.
Un beso
Un placer haber encorado tu blog..
Un abrazo
Saludos fraternos...
Adriana,
Gostei muito do diálogo com a dona Clarice. Pelo menos na minha leitura, a Clarice fala, com seu problema de voz.
Quem vai ficar com ela?
Obs.: dica do bancário: o crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS, na verdade é para os morcegos.
O homem volta à caverna ancestral.
Seremos nós como morcegos cansados?
Debatemo-nos no escuro, sem rumo?
Os morcegos têm seu rumo, nós não.
Bem sugestivo seu poema, Adriana.
Beijo.
Úrsula, sua lucidez encanta. Bj
Adolfo, prazer tê-lo de volta. Grata!!Bj.
Casa, se assim vc disse, assim o é. Gosto muito quando vem. Beijo.
JC, bem sugestivo seu comentário. Obrigada pela delicadeza. Bj
Uma canção que voa
Intenso e bonito
bjos do seu fãnzaço
Querida poeta,fui levado aos versos de Belchior:"No centro da sala, diante da mesa
No fundo do prato comida e tristeza
A gente se olha, se toca e se cala
E se desentende no instante em que fala...minha mãe me chama , é hora do almoço...",belo intenso, emocionante, verdade,beijo.
(
Acho que é assim que minha mãe se sente, e provavelmente me sentirei um dia... Carregando a humanidade inteira com asas pesadas.
Confesso que cairam umas gotinhas salgadas dos meus olhos.
beijos no coração
Rossana
Nossa,Adriana, me emocionou.Está deuma beleza marcante....densa essa mãe q protege filhos,essa dona danoite.
Felipe, Valeu mesmo! Beijo.
Luciano, seus comentários sempre me encantam. Beijo.
Rossana, se te tocou é um bom sinal. Valeu. Bj
Karnal, é mais ou menos isso. Obrigada. Bj
muito bom te re-ler novamente , drika...
sempre traz uma emoção diferente.
beijos eternos....
Ei, Anita...vc me deixa feliz. Beijo.
Tua poesia, sempre tão forte, Adriana.
Tema precioso, e o trataste assim.
Bjo, poetisa.
Talita, tenho lido seus poemas sempre. Só que não há espaço pra comentar. Gosto muito quando vem. bj
Então, Adriana.
Há um pouco de um conto da Clarice aqui, na minha visão: a mãe ao redor da mesa, os morcegos que sugam, quem vai ficar com ela e outros.
O conto é o Feliz Aniversário, no livro Laços de Família.
Minha mãe teve um terço final por demais doloroso. Problemas de saúde - e os filhos morando bem distantes uns dos outros. Pois, seus morcegos fabularam bem...
Beijo, Adriana!
Estive pensando, Adriana, e talvez não haja melhor definição para maternidade do que esta: "ser mãe é ser sugada" - com todas as implicações que esse verbo permite.
E assim como o Casa, cujo comentário está acima, eu também me lembrei do conto da Clarice, do livro Laços de Família.
Agradeço tua visita lá no blog (senti tua falta! rs).
Um bjo grande, e ótimo fim de semana pra vc.
Que ela paire
sobre aqueles
que pariu.
Muito belo!
Beijos,
Marcelo.
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