Ontem não o vi mais na janela.
O velho que ficava na janela em frente à minha tinha morrido.
De uma forma estranha: bebeu duas taças de champanhe, ficou verde e se foi.
Não que eu tivesse alguma simpatia por aquele sujeito. Na verdade, me incomodava demais.
Sempre estava lá, nos momentos mais inoportunos. Vivia sem camisa e o seu porte avantajado dava a impressão de que era mais jovem do que seus oitenta e três anos. Sua voz, como percebeu o meu filho, era de um jovem.
Mexia com todos que subiam ou desciam a rampa, principalmente, com as idosas viúvas. Como um galanteador , dizia que estavam lindas e que queria namorá-las. Umas aceitavam as suas palavras e sorriam timidamente. Outras, o achavam incoveniente. Mas, de uma certa forma, ele preenchia as suas vidas.
Por incontáveis vezes, tive que fechar a cortina, pois com seus olhos indiscretos entrava em meu apartamento e me despia com o seu olhar de rapina, embora, muitas vezes, já estivesse nua.
Gostava quando abria a janela e ele, por algum motivo, tinha perdido a cena. Era como se eu tivesse vencido algum lance de jogo de cartas ou feito um gol de placa.
Nunca soube o seu nome, até ontem, quando a zeladora me contou sobre a sua morte:
- O Seu Manoel morreu, disse-me ela.
- Quem?
- O Seu Manoel do 407!
-Ah! Que pena! respondi-surpresa e escondendo o meu alívio!
Eu o detestava. Desde que o vi pela primeira vez.
Mas, ontem, senti a sua falta e, embora soubesse de sua morte, cerrei as cortinas, quando saí do banho, enrolada em uma toalha.
Por um momento, ao olhar a janela em frente, vislumbrei uma sombra e uma risada que conhecia bem.
Tratei de fechar bem a cortina e, quando saí de casa, ao atravessar a rampa, não olhei mais para cima. Mas tinha certeza de que ele estava lá. Ou o seu fantasma.