tem uma inconfundível e inexplicável melancolia
quando é inverno e o dia é claro e frio
só isso que posso dizer agora
só isso que me faz querer ficar aqui parada
sentindo o vento gelado
e tentando entender a humanidade
ou a falta dela
é isso que talvez me faça querer a noite
e tomar o vinho que está guardado no armário da sala
segunda-feira, junho 29, 2015
quarta-feira, junho 24, 2015
até ontem
vim como quem não quer nada
e entrei na noite como se dela tivesse nascido
até ontem não gostava das pessoas do dia
não gostava das cores do calor
e de tudo que se fazia de dia
entrava na noite e nela me perdia
com os olhos fundos a cara pálida
encontrava gente com essa mesma cara
às vezes muito maquiadas
e pareciam artistas de cinema-mudo
olhava para elas como se soubesse o que faziam ali
escondidas no fundo dos bares ouvindo blues e jazz
o nariz e os olhos dançando
reconhecia quem era da noite
e quem estava ali vindo do dia
podia pensar que eram felizes
suas roupas brilhavam e brilhavam seus cabelos
falavam dos poetas góticos e dos impressionistas
dos beatniks e do cinema francês
conheciam um bom vinho e a pior cachaça
e pensavam que podiam mudar alguma coisa
neste mundo tão pobre
e mesmo nobres
comiam pão com mortadela
e eu vim com a noite e nela me escondia
e me encantava com a vida desse seres
e fazia parte desse mundo escuro
de pouca luz e gestos serenos
até ontem gostava deles
e posso ser um deles
mas hoje vi a luz do sol
e deixei que aquecesse minha cama fria
e entrei na noite como se dela tivesse nascido
até ontem não gostava das pessoas do dia
não gostava das cores do calor
e de tudo que se fazia de dia
entrava na noite e nela me perdia
com os olhos fundos a cara pálida
encontrava gente com essa mesma cara
às vezes muito maquiadas
e pareciam artistas de cinema-mudo
olhava para elas como se soubesse o que faziam ali
escondidas no fundo dos bares ouvindo blues e jazz
o nariz e os olhos dançando
reconhecia quem era da noite
e quem estava ali vindo do dia
podia pensar que eram felizes
suas roupas brilhavam e brilhavam seus cabelos
falavam dos poetas góticos e dos impressionistas
dos beatniks e do cinema francês
conheciam um bom vinho e a pior cachaça
e pensavam que podiam mudar alguma coisa
neste mundo tão pobre
e mesmo nobres
comiam pão com mortadela
e eu vim com a noite e nela me escondia
e me encantava com a vida desse seres
e fazia parte desse mundo escuro
de pouca luz e gestos serenos
até ontem gostava deles
e posso ser um deles
mas hoje vi a luz do sol
e deixei que aquecesse minha cama fria
quarta-feira, junho 10, 2015
o caso do camaleão
sempre odiei reunião de condomínio e raramente participei de uma, a não ser quando fui síndica, porque não tinha jeito de escapulir. mas um dia, o rafa, meu primogênito, disse que tinha visto um rato passeando pelo apê. na época o prédio era habitado praticamente por senhores e senhoras mais ou menos idosos. fiquei intrigada e preocupada com aquilo e lá fui eu à reunião pra falar com o síndico e com os moradores, a fim de saber se eles também tinham visto algum roedor no edifício. minha casa era a mais movimentada e barulhenta de todas, com dois adolescentes, os amigos, os amigos dos amigos deles e os meus amigos. os anciãos achavam que minha casa era um ninho de perdição. um antro de drogados. não nos viam com bons olhos. mas mesmo assim resolvi enfrentá-los. o meu horror a ratos era maior e eu tinha que dar uma resposta pro rafa. pois bem. cheguei lá na cara dura e expus o fato. todos me olharam como se eu fosse um et e cochicharam entre si e, quase ao mesmo tempo, disseram: "não era rato, era camaleão!". pensei: "mas camaleão na zona urbana, no brasil?" e eles reforçaram: "você nunca viu camaleões nas paredes do prédio, nos corredores?" eu disse que não e respondi: "meu filho viu um rato!". eles afirmaram: "mas não é rato, é camaleão! o controle remoto de sua casa, por exemplo, pode ser um camaleão disfarçado!" "seu filho deve estar chupando drogas!" saí da reunião convicta de que eles estavam certos, abri a porta do apê, o rafa me olhando ansioso, e eu disse muito brava: "rafa, você tá chupando drogas?"
sexta-feira, abril 24, 2015
anjo caído

Ele entrou e disse que estava frio lá fora. Bebeu o café quase frio e acendeu um cigarro. Disse que aquele dia tinha visto algumas pessoas que o seguiam. Jurou que não era paranoia. Perguntou sobre os gatos e se esticou no sofá. Falou sobre o possível apocalipse, mas disse que não acreditava em anjos. Elogiou a música que tocava, acho que Coltrane, e falou que nesse momento vinha uma paz quase inevitável ou que a vida tinha algum sentido. Pediu pra eu soltar os cabelos pra sentir o cheiro do xampu. E ainda, com voz baixa e com os braços fortes, me puxou para o seu lado e me deu um longo beijo. Sua boca tinha gosto de menta, provavelmente, alguma bala para tirar o gosto do cigarro. Estava intensamente sensual, com os cabelos despenteados e cheiro de chuva. Dormi em seus braços e quando acordei já tinha ido embora. Ele era assim, aparecia em qualquer hora, dizia coisas sem sentido ou ficava preso em seu silêncio. Eu entendia esse homem de poucas palavras e gestos definitivos. E ele sabia disso. Talvez fosse ele um anjo caído por acaso em minha vida.
arte: rafael godoy
quinta-feira, abril 23, 2015
sabe aquela hora em que você começa a pensar mais. era assim. quando o dia anoitecia, vinha aquela angústia louca. ficava por um bons momentos vendo o pôr do sol, olhando a sombra do pássaro na luz quase morta da tarde. e cada vez mais queria que só tivesse a noite e o som das pessoas indo embora ou entrando nos botecos. e vinha aquela vontade de encher a cara e escrever tudo que tava lá dentro de sua cabeça. entrava em algum copo sujo e encontrava aquele filósofo bêbado de plantão que não falava coisa com coisa. e vinha aquele amigo que sempre tinha um problema pra contar. e vinha a solidão inevitável de sentir que não fazia parte de nada. e se via rindo com o amigo falando besteiras. mas o que queria mesmo era tentar tirar de dentro de sua cabeça aquilo que o atormentava sempre que o dia estava indo embora. só queria fazer um verso que ninguém esquecesse. e quando amanhecia não lembrava de quase nada. encontrava alguns pedaços de papel amassado com frases soltas e palavras sem sentido. então só queria dormir e pensar que o mundo às vezes podia ser um bom lugar pra sonhar.
quarta-feira, abril 22, 2015
Pero Jaz
Pero Vaz, vazio de alma e rico de letras
Não entendia a nudez das índias
A beleza de nossas terras
Pensava ele ser o arauto do nosso esplendor
Dono da natureza escravo de seu rei
Não entendia a nudez das índias
A beleza de nossas terras
Pensava ele ser o arauto do nosso esplendor
Dono da natureza escravo de seu rei
Pero Vaz Caminha caminhou
Por terras nunca dantes caminhadas
E naufragou no seu assombro
Mergulhou fundo no seu espanto
Mandou ao rei carta que dizia
Não compreender por que o sol
Estava na terra em pequenos pedaços de areia
Que o verde se encontrava também em minerais
Chamados esmeraldas
Que o vermelho do sangue
Derramado em seu caminho
Em lutas contra os imberbes primitivos
Concentrava-se em pedras chamadas rubis
Dizia ser as vergonhas das índias
Vergonhosas demais
E sem pelos ou roupas para cobri-las
Cobriu-as de pegajosos excrementos
Despejados de seus rins
Como também o fizeram todos os lusitanos
Que na terra estavam, sendo jesuítas ou ateus
E fertilizaram nosso solo com suas impurezas
E violaram o sagrado mistério de nossas mulheres
Vergonhosas demais
E sem pelos ou roupas para cobri-las
Cobriu-as de pegajosos excrementos
Despejados de seus rins
Como também o fizeram todos os lusitanos
Que na terra estavam, sendo jesuítas ou ateus
E fertilizaram nosso solo com suas impurezas
E violaram o sagrado mistério de nossas mulheres
E ali nascia um novo povo
Crianças mamelucas mestiças mulatas
Com cabeças pequenas demais para pensar
Com o cheiro acre-podre de seus pais
E crescendo viram a terra que não lhes pertencia
Que jamais seria genuinamente sua
E deixaram entrar nobres, bárbaros e plebeus
Varões, eunucos, negros,
Brancos, amarelos,garanhões
E quanto mais gente se formava
Mais a terra lhes era tirada
E desde mil e quinhentos anos
A terra continua lhes sendo roubada
E mesmo que clamem os profetas
Mesmo que chorem os da natureza amantes
Mesmo que sequem todos os rios
Mesmo que acabem todas as matas
Mesmo que não exista mais fauna
Mesmo que morra mais e mais gente
A terra nunca lhes pertencerá
E Pero Vaz de Caminha
Na sua ignorante sabedoria
Jaz em sua terra zombando daquela gente
E no ano da graça de dois mil e tantos
Acharam em seu túmulo
Esmeraldas, ouro e rubis
Encontraram em seu túmulo
Uma pergaminho de brilhantes
E uma inscrição com tinta de pau-brasil
Com os dizeres amaldiçoados:
"Mesmo que se plante nesta terra
E aqui se plantando tudo dá
Mesmo que germinem todas as sementes
A esse povo não caberá nenhum quinhão"
E feliz jaz Pero Vaz em seu leito de morte
Coberto de todos os brilhantes
Sabendo que a sua praga vingará
E assim foi
E assim será
(poema feito de brincadeira, a partir de uma aula de literatura sobre a carta de Caminha aos alunos do ensino médio)
sábado, março 21, 2015
lançamento do meu livro: "Mil Noites e um Abismo"
Lançamento do primeiro livro solo de Adriana Godoy. 'Mil noites e um abismo' (Editora Crivo) reúne poemas da autora, já publicados em seu blog (driaguida.blogspot.com.br
Adriana Godoy gosta da noite, dos bares, da lua, dos perdidos e, talvez, por isso, seus textos quase sempre remetem à noite e aos abismos interiores.
Sobre a autora:
Adriana Godoy é mineira, nasceu em Belo Horizonte onde sempre viveu. Formada em Letras pela UFMG, trabalha como professora e revisora.
Desde pequena escreve, mas foi a era dos blogs que tornou seus textos mais conhecidos.
A autora participa de outros blogs e revistas literárias; alguns de seus poemas também foram publicados no livro 'Maria Clara: universos femininos', coletânea organizada por Hercília Fernandes, em 2010.
terça-feira, fevereiro 24, 2015
fragmento
arte: rafael godoy
"minha juventude ficou perdida nas noites da cidade
e nos olhos intensamente brilhantes dos meus filhos"
domingo, janeiro 11, 2015
foi aquilo que me disse que me tirou do chão e me fez querer sair dali correndo, mesmo com tanto calor e com tanta gente em volta. foi só uma frase que me fez arrepender de ter saído e ter bebido tanta cerveja e vodka com o sol na cabeça à lô borges, mas não tinha trem azul, só você do meu lado. tava tudo bem, juro que tava gostando. a música tava boa, o lugar bom. eu podia fumar sem ninguém me olhar com cara de nojo. porque era aberto, sem toldo, só com aquelas árvores que podiam dar alguma sombra. eu podia te beijar sem ter medo de alguém ver porque isso não era importante naquele momento. eu podia lembrar de coisas que vivemos juntos há muito tempo e a gente rir feito criança. a conversa tava boa, lembranças de coisas e pessoas que tinham ficado no passado junto com você. mas aí tinha que falar aquela merda. não precisava, cara. mas você falou. e em uma fração de segundo nada daquilo ali fazia mais sentido.
domingo, janeiro 04, 2015
cenas de rua
no vago tom da noite
a árvore parada e morna
com seus galhos feito mãos inúteis
assombram os que passam distraídos
o passeio é um deserto esticado
a rua com asfalto recente geme
quando carros deslizam loucamente
com suas buzinas ensurdecedoras
do outro lado da rua
um homem fuma solitariamente
não sorri, apenas olha a fumaça que sobe
a moça passa: "tem fogo"?
nesse momento o seu corpo é uma fogueira
a moça mostra o cigarro apagado e ergue a mão
"tem fogo?"- repete
ele todo é uma fogueira
a moça sorri com o cigarro apagado
o homem arde e olha a fumaça que sobe
a moça já virou a esquina
um cão atravessa a rua
as pessoas dormem com janelas fechadas
a luz vermelha e azul do carro de polícia
a sirene que berra
um bêbado solitário conversa com a noite
uma lua pálida no céu
o homem com um cigarro aceso entre os dedos
caminha lentamente para nenhum lugar
sábado, novembro 22, 2014
sempre fica um vazio
arte: rafael godoy
sempre fica um vazio
um vazio abissal
que nem todos os deuses anjos ou demônios
poderão te salvar
sábado, novembro 15, 2014
expurgo
arte: rafael godoy
entre bruxos e velas
vomito veneno e vísceras
ensandecida e crédula
no meu último ato místico
e me salvo sem pudor
de seus pecados
segunda-feira, novembro 10, 2014
vou te dar meu último verão
todo o outono amarelo
e quando me alcançar
vai ver que sou o mais puro inverno
não dos trópicos
mas dos lugares mais frios da terra
terras da sibéria
não adianta me dizer para abrir as janelas
o sol me é estrangeiro
tenho em mim geleiras ancestrais
meu coração não bate
vacila descompassado
selvas do universo me rondam
e mesmo assim você vai me recriar
e me amar com tudo que sou
porque você
precisa de uma criatura só sua
mesmo inventada
mesmo com essas sombras geladas
arte: rafael godoy
sábado, setembro 13, 2014
eu e meus gatos
enquanto escrevia ela deslizava em cima do
teclado, e as letras foram aparecendo numa língua desconhecida que
talvez só os gatos entendam. e ela queria chamar minha atenção de
qualquer jeito. miava baixinho e me olhava com aqueles olhos verdes
e infinitos. por um momento parei e fiquei observando essa gata que me
acompanha há 14 anos. chiquinha é o nome dela e está presente em quase
tudo que faço. ela sabe que vou chegar até mesmo antes de mim, me espera
na porta junto com tutuco, meu gato velho e branco. ele talvez seja
minha alma em forma de gato. fiquei pensando nessas coisas de todos os
dias, nessas companhias tão presentes, no meu apartamento com pelos, nas
cadeiras e sofás meio destruídos por causa deles, na ausência de alguns
amigos que têm horror a pelos ou a gatos. fico pensando que eles não
conhecem o mundo lá fora, que a realidade deles é essa mesma e mesmo que
eu deixe a porta aberta, eles só saem até o corredor e voltam rápido. e
parecem que gostam disso aqui. quando ficam na janela olham lá fora com
alguma indiferença a não ser que algum inseto ou pássaro passeie por
ali. aí o instinto é mais forte, a gata em posição de ataque, os pelos
arrepiados, olhos paralisados e, se der, dá o bote. o velho gato branco
se esconde diante de qualquer presença estranha, mesmo que seja uma
formiga ou qualquer pessoa desconhecida. enquanto escrevo eles estão
aqui ao meu lado, esperando alguma coisa, algum sinal. mas eles sabem
que estou aqui e eu sei que eles estão por perto. a gente vai
envelhecendo junto e a gente sabe que não vai durar muito.
domingo, agosto 31, 2014
camaleoa
O
messianismo de Marina assusta. Sua inconstância agride. Seu discurso
quase surrealista traz indignação. Sua ligação com o agronegócio, Itaú,
Monsanto indica o caminho que fará. Seu fundamentalismo evangélico
atormenta, aterroriza. Collor seria o salvador da pátria, o caçador de
marajás. Marina se coloca como a escolhida do senhor, a que vem para
redimir o Brasil de todos os males. O discurso é
quase o mesmo de Collor. Ela apoia quem pode trazer benefícios a sua
campanha e tal qual camaleão muda seu discurso ao sabor da melhor maré.
E assim, alguns incautos e não tão incautos dizem que vão votar nela.
Uns para extirpar o PT, num ódio quase atávico e irracional ao partido
que, mesmo cometendo erros, proporcionou ao Brasil as maiores e mais
fundamentais mudanças pra seu povo e para o mundo. Não come mais na mão
do FMIi e nem limpa o chão de merda do Tio Sam. Tornou-se respeitado.
Outros vão votar por acreditar que ela significa a mudança, a terceira
via. Confesso, tenho muito receio de que as más profecias se concretizem
e a camaleoa assuma o poder. Isso seria o retrocesso em todos os
níveis, em todos. Estado de alerta geral: a luta agora será mais
complexa e árdua. Fiquemos atentos.
quarta-feira, agosto 20, 2014
vale conferir
HELL-O-RIZONTE CAFE
nesse sábado agora, dia 23, eu e os outros meliantes na foto, mais joao guilherme dias - o mito sem facebook -, estaremos no Edith Café, lendo contos e poemas de Adriana Godoy, Wir Caetano, Fabrício Marques, Mario Alex Rosa e outros autores mineiros. na presente data, a partir da 11h, atenderemos pelo nome de mutável saralho band. cola lá pra ver a gente se divertindo. (foto de Joao Alves) — com Diogo Fabrin e outras 2 pessoas.
nesse sábado agora, dia 23, eu e os outros meliantes na foto, mais joao guilherme dias - o mito sem facebook -, estaremos no Edith Café, lendo contos e poemas de Adriana Godoy, Wir Caetano, Fabrício Marques, Mario Alex Rosa e outros autores mineiros. na presente data, a partir da 11h, atenderemos pelo nome de mutável saralho band. cola lá pra ver a gente se divertindo. (foto de Joao Alves) — com Diogo Fabrin e outras 2 pessoas.
sexta-feira, agosto 08, 2014
`a la mamma
vem logo que te faço um macarrão à la mamma
e ainda tem um vinho italiano que ganhei ontem
você pode dizer cobras e lagartos
que vou te ouvir quase calada
pode até dizer que estou sempre errada
que vou continuar querendo sua companhia
vem pra cá agora enquanto você não tem medo
do peso da minha ironia e dos meus olhos negros
o jantar será servido e pode até ter flores sobre a mesa
e o seu chinelo vai continuar no mesmo lugar
pode ser que eu saia antes de você chegar
mas isso já não terá a menor importância
e ainda tem um vinho italiano que ganhei ontem
você pode dizer cobras e lagartos
que vou te ouvir quase calada
pode até dizer que estou sempre errada
que vou continuar querendo sua companhia
vem pra cá agora enquanto você não tem medo
do peso da minha ironia e dos meus olhos negros
o jantar será servido e pode até ter flores sobre a mesa
e o seu chinelo vai continuar no mesmo lugar
pode ser que eu saia antes de você chegar
mas isso já não terá a menor importância
terça-feira, agosto 05, 2014
quero a noite
arte: rafael godoy
ainda que o corpo clame
sinto em mim um deserto morno
a luz que bate de manhã e me faz fechar a cortina
tenta entrar pelas frestas da outra janela
bem-te-vis gritam em desarmonia
cadê os pardais?
os projetos em cima da escrivaninha me olham
os livros que não consegui ler empilhados
e bananas apodrecendo na fruteira
ontem dormi em outra cama
e ouvi : amor, quer café ou suco?
hoje ouço os carros e as pessoas indo pro trabalho
e sei que breve estarei lá misturada nas ruas e nas pessoas
o genocídio na palestina e as enchentes
as atrocidades sem medida e as tragédias
os deuses devem estar dormindo há séculos
esse sol me atordoa quero a noite
e a brisa que soprava do mar
quinta-feira, julho 31, 2014
entre bougainvilleas e demônios
entre bougainvilleas e demônios
não que essa bougainvillea não me inspire
ou esse bem-te-vi solitário não me diga alguma coisa
existe entre mim e as coisas lá fora um abismo escuro
e a estrada não aponta o sol
esperava que você fosse ao inferno comigo
e me dissesse que nem tudo estava perdido
mas preferiu pegar o primeiro voo e bater suas asas aflitas
ir para um mundo onde não estou
pra que então o telefone depois
e dizer que sente a minha falta
cara os dias e noites são todos meus
os anjos e os demônios me pertencem
e sei que quando acordar eles vão estar lá
mas você não
não que essa bougainvillea não me inspire
ou esse bem-te-vi solitário não me diga alguma coisa
existe entre mim e as coisas lá fora um abismo escuro
e a estrada não aponta o sol
esperava que você fosse ao inferno comigo
e me dissesse que nem tudo estava perdido
mas preferiu pegar o primeiro voo e bater suas asas aflitas
ir para um mundo onde não estou
pra que então o telefone depois
e dizer que sente a minha falta
cara os dias e noites são todos meus
os anjos e os demônios me pertencem
e sei que quando acordar eles vão estar lá
mas você não
sexta-feira, julho 18, 2014
e quando vier o dia
e quando vier o dia
os homens estarão feridos
as crianças tristes e perdidas
e violentadas as mulheres
quando vier o dia
restarão pássaros com asas queimadas
e o grito insano das cidades
estaremos sedados
a noite e as nações em pedaços
melhor fechar as janelas
e não ouvir
mas é mais forte o grito e o choro das gentes
mais forte que todo o gás que faz chorar
que todas as balas de borracha que ferem
mais forte que aviões atingidos no céu
que a violência covarde e desigual
que mata e trucida um povo
queremos não ver queremos não ouvir
mas a alma sente
e chora por essa gente
e torce e se revolta e se entristece
e alguns dirão que sempre foi assim
aplaudirão as atrocidades
melhor fechar as janelas
melhor fechar os olhos
e quando vier o dia
não haverá sol
mas nuvens de fumaça e sangue
os homens estarão feridos
as crianças tristes e perdidas
e violentadas as mulheres
quando vier o dia
restarão pássaros com asas queimadas
e o grito insano das cidades
estaremos sedados
a noite e as nações em pedaços
melhor fechar as janelas
e não ouvir
mas é mais forte o grito e o choro das gentes
mais forte que todo o gás que faz chorar
que todas as balas de borracha que ferem
mais forte que aviões atingidos no céu
que a violência covarde e desigual
que mata e trucida um povo
queremos não ver queremos não ouvir
mas a alma sente
e chora por essa gente
e torce e se revolta e se entristece
e alguns dirão que sempre foi assim
aplaudirão as atrocidades
melhor fechar as janelas
melhor fechar os olhos
e quando vier o dia
não haverá sol
mas nuvens de fumaça e sangue
sexta-feira, junho 27, 2014
o ar frio que entrava pela janela
mais de uma vez ele me disse
que havia solução
que nem tudo estava perdido
mais de uma vez ele apagou a luz ao sair
me deixou na escuridão do quarto
e pôs Milles Davis para tocar
mais de uma vez ele me cobriu com o edredon
colocou a mão na minha testa
para ver se eu estava com febre
mais de uma vez ele me beijou com olhos selvagens
me chamou de vadia de louca de perdida
e deliramos juntos no deserto de nossa cama
mais de uma vez ele chorou
olhando as estrelas
mais de uma vez jurei mudar
era só uma questão de tempo
mas depois de mil e uma noites
depois de apagar a luz do quarto
ele se foi
ficaram as estrelas
ficou a noite
e o ar frio que entrava pela janela
que havia solução
que nem tudo estava perdido
mais de uma vez ele apagou a luz ao sair
me deixou na escuridão do quarto
e pôs Milles Davis para tocar
mais de uma vez ele me cobriu com o edredon
colocou a mão na minha testa
para ver se eu estava com febre
mais de uma vez ele me beijou com olhos selvagens
me chamou de vadia de louca de perdida
e deliramos juntos no deserto de nossa cama
mais de uma vez ele chorou
olhando as estrelas
mais de uma vez jurei mudar
era só uma questão de tempo
mas depois de mil e uma noites
depois de apagar a luz do quarto
ele se foi
ficaram as estrelas
ficou a noite
e o ar frio que entrava pela janela
sexta-feira, junho 20, 2014
dessas noites em que estava lavando pratos
arte: rafael godoy
o detergente faz espuma na pia
os pratos ficando limpos no escorredor
os pensamentos sujos quero um cigarro
uma música um blues o céu escuro
meus gatos escondidos em silêncio
duas taças de vinho quase cheias
os pés no chão e pálidos
uma janela uma luz acesa do outro lado
as garrafas de vinho abertas e vazias
leio os rótulos e penso num poema
um inseto esquisito vindo de outro lugar
voa em torno das garrafas vai até a luz e volta
o tempo não tem pressa meus olhos o seguem
os pratos vão ficando limpos
as panelas ficam pra depois
pego uma taça e dou um gole
acompanho o blues num inglês ruim
o inseto se vai e bebo mais
olho a noite escura os pratos brancos
alguém me espera no sofá
"estranho pensar no abandono de toda ambição"
os pratos ficando limpos no escorredor
os pensamentos sujos quero um cigarro
uma música um blues o céu escuro
meus gatos escondidos em silêncio
duas taças de vinho quase cheias
os pés no chão e pálidos
uma janela uma luz acesa do outro lado
as garrafas de vinho abertas e vazias
leio os rótulos e penso num poema
um inseto esquisito vindo de outro lugar
voa em torno das garrafas vai até a luz e volta
o tempo não tem pressa meus olhos o seguem
os pratos vão ficando limpos
as panelas ficam pra depois
pego uma taça e dou um gole
acompanho o blues num inglês ruim
o inseto se vai e bebo mais
olho a noite escura os pratos brancos
alguém me espera no sofá
"estranho pensar no abandono de toda ambição"
segunda-feira, junho 16, 2014
atroz idade
desenho: rafael godoy
ratos cinzas e inquietos passeiam
nos porões de minha infância
acordo e vejo um sorriso meio pálido
e uma mulher quase velha no espelho
nas rugas meio escondidas sob o creme
nos porões de minha infância
acordo e vejo um sorriso meio pálido
e uma mulher quase velha no espelho
nas rugas meio escondidas sob o creme
na carne que sobra sob a roupa
muitas histórias esquecidas
e várias vidas ávidas por juventude
não tem mais corpo
não tem mais volta
mas a moça de tempos atrás
diz que ainda vale a pena
muitas histórias esquecidas
e várias vidas ávidas por juventude
não tem mais corpo
não tem mais volta
mas a moça de tempos atrás
diz que ainda vale a pena
terça-feira, junho 10, 2014
quero a noite
arte: rascunho para tela: rafael godoy
ainda que o corpo clamee a alma não desista
sinto em mim um deserto morno
a luz que bate de manhã e me faz fechar a cortina
tenta entrar pelas frestas da outra janela
bem-te-vis gritam em desarmonia
cadê os pardais?
os projetos em cima da escrivaninha me olham
os livros que não consegui ler empilhados
e bananas apodrecendo na fruteira
ontem dormi em outra cama
e ouvi : amor, quer café ou suco?
hoje ouço os carros e as pessoas indo pro trabalho
e sei que breve estarei lá misturada a elas
as notíciasapocalípticas do brasil
as atrocidades sem medida e as tragédias
os deuses devem estar dormindo há séculos
esse sol me atordoa quero a noite
e a brisa que soprava do mar
sexta-feira, junho 06, 2014
besteiras
tem hora que fico pensando em umas coisas bestas, por exemplo:
por que uma pessoa que não se importa com ninguém grita desesperada para o motorista do outro carro quando vê que a porta dele está aberta?
por que que as pessoas, as mesmas pessoas que podem bater ou humilhar um morador de rua ou maltratar os mais humildes, quando um copo quebra, fazem questão de embrulhar os cacos em folhas de jornais para não machucar o lixeiro?
por que essas mesmas pessoas que odeiam a ascensão da classe menos favorecida,
que discriminam o porteiro do prédio ou um professor negro colaboram, por exemplo, com alguma entidade pró- alguma coisa- beneficente?
por que pessoas que foram profundamente beneficiadas com as mudanças que houve no país fazem questão de maldizer, escracachar e odiar o país em todos os aspectos? por quê? por quê?
que discriminam o porteiro do prédio ou um professor negro colaboram, por exemplo, com alguma entidade pró- alguma coisa- beneficente?
por que pessoas que foram profundamente beneficiadas com as mudanças que houve no país fazem questão de maldizer, escracachar e odiar o país em todos os aspectos? por quê? por quê?
segunda-feira, junho 02, 2014
foi assim
entendo que poderia ser diferente mas não foi
não quero desculpas para mim ou para o que fiz
entendo que ficar em silêncio seria o melhor caminho
que engolir todos os desatinos que me disse seria mais fácil
e ficar quieta como muitas vezes fiquei me daria mais conforto
mas não foi o que aconteceu
cuspi maribondos e lagartas
soltei todos os demônios presos na alma
atravessei os rios e desertos mais gelados de mim
estradas áridas e intermináveis
senti o calor do inferno bem perto e não fugi
dessa vez não
então veio a noite e a solidão.
veio o vento e os sons inaudíveis do silêncio
quinta-feira, maio 29, 2014
a cidade é outra
visto de cinza a cidade
as ruas têm prédios demais
e não se cansam de criar outros a cada dia
as britadeiras perfuram minha cabeça
escondem as sirenes e buzinas
os gritos dos gatos o canto dos bêbados
as construções apagam a lua
espantam o vento
silenciam os poetas
as montanhas são dilaceradas dinamite e cimento
a cidade que era minha
vai embora de mim
espalha pó nos cabelos embaça meus olhos
e deixa um gosto estranho na saliva
a cidade é outra
eu sou outra
mas ainda posso ver através da fumaça do cigarro
um sol pálido
que começa a nascer
segunda-feira, abril 28, 2014
dias doces
arte: rascunho para tela/ rafael godoy
queria ser o que não fui
mas sou o passado
com o corpo podre e gasto
ainda gosto de abrir a janela
e sentir as manhãs frias de abril
me batendo na cara, nos cabelos
e ver meus gatos brincando no sol
ainda posso ouvir os stones
dylan miles tom e chico no sofá de casa
fumar o meu cigarro sem grilhões
e beber meu vinho sossegadamente
parece que o caminho para a morte
pode ser mais doce em dias como esses
com o corpo podre e gasto
ainda gosto de abrir a janela
e sentir as manhãs frias de abril
me batendo na cara, nos cabelos
e ver meus gatos brincando no sol
ainda posso ouvir os stones
dylan miles tom e chico no sofá de casa
fumar o meu cigarro sem grilhões
e beber meu vinho sossegadamente
parece que o caminho para a morte
pode ser mais doce em dias como esses
segunda-feira, abril 14, 2014
apelo
arte: rafael godoy
traz para mim os dias que não vivi
todas as noites perdidas
e o sorriso que não tenho mais
vai lá e busca o que me cure
sem que doa ou que arda
apenas que alivie
encontre o que deixei cair na estrada
os poemas esquecidos nas gavetas
e as músicas que não ouço mais
molhe os pés no mar
porque aqui só há montanhas
e jogue uma flor pra iemanjá
deixe seu cheiro espalhado
compre uma garrafa de champanhe
velas amarelas e incensos de baunilha
estou aqui do outro lado e juro
tem uma lua enorme no céu da cidade
todas as noites perdidas
e o sorriso que não tenho mais
vai lá e busca o que me cure
sem que doa ou que arda
apenas que alivie
encontre o que deixei cair na estrada
os poemas esquecidos nas gavetas
e as músicas que não ouço mais
molhe os pés no mar
porque aqui só há montanhas
e jogue uma flor pra iemanjá
deixe seu cheiro espalhado
compre uma garrafa de champanhe
velas amarelas e incensos de baunilha
estou aqui do outro lado e juro
tem uma lua enorme no céu da cidade
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