irmãos na noite espalhados
na casa da velha mãe
hoje não é festa, não é aniversário
e surge a pergunta mortal
quem vai ficar com ela?
como se ela não pensasse
como se ela fosse a carga mais pesada
a mãe poderosa e infalível
mergulha nas suas sombras
nos seus medos e sofre
por que meus filhos estão aqui?
queria afagá-los e tirar deles todo sofrimento
queria carregá-los no colo
queria alimentá-los e enchê-los de alegria
os filhos como morcegos agitados
começam a se debater
quem vai ficar com ela, a mãe?
uns esbarram as asas frágeis nos outros
uns tentam perfurar o coração dos outros
uns se acham insubstituíveis, infalíveis
são líderes, poderosos, ou mais sábios
outros apenas ouvem calados o que se fala
e no fundo do corredor, em seu quarto,
a mãe adormece, preocupada com suas crias
o cansaço da vida faz doer o seu corpo
as suas pernas são quase inúteis
e no seu peito o coração metálico
marca os seus passos dia a dia
e nessa noite ela sonha
sonha com a família em volta da mesa
as conversas intermináveis,
os risos, as piadas, as brigas, a comilança
seus filhos não cresceram tanto
e o seu velho companheiro ainda esta lá
nessa noite, ela sonha
os morcegos, suas crias, levantam voo
cada um com a sua culpa, cada um com o seu pecado
imaginam que poderiam cantar uma canção
que embalasse o sono de sua mãe
essa mulher que tanto sugam, que tanto amam
que tanta admiração e espanto causa
que guarda tantos segredos
mas não sabem como
e choram
suas asas pesam
como se carregassem a humanidade inteira
como se já estivessem definitivamente
presos em suas cavernas mais escuras