você
acorda e pensa num modo mais fácil de não pensar que o dia poderá ser
uma merda. você acorda e não quer esse calor invadindo o seu corpo nem
esse sol feio nesse céu indefinido de quase chuva. olha pro lado, faz um
café, dá uma ajeitada na casa, põe água e comida pros gatos, come uma
fruta. fuma o primeiro cigarro. ouve a primeira música. liga o
computador e não tem nada de muito novo. quando percebe, tá na hora do
almoço e nenhuma fome, mas você tem que comer. você tem que sair e fazer
as coisas na rua. tem que trabalhar, fazer sacolão, conversar um pouco
com o vizinho. tem que saber da mãe, dos irmãos, dos filhos. tem que se
inteirar das notícias do mundo e pensar que o mundo é isso. não se
incomodar com o furacão na américa, com o ódio da mídia conservadora nem
com o assalto que acabou de acontecer na esquina. tem que esquecer da
briga com sua amiga, da desesperança na educação, da noite que escapou
por entre os dedos. você olha e vê a vida quase como uma repetição. você
pensa e quase não vê sentido nessa coisa toda. aí, de repente, pensa
nos amigos distantes, na cerveja gelada, naquele dia na praia, lê alguns
versos de seu poeta preferido, vê aquela planta na área que cresceu
muito da noite pro dia e o seu gato esticado com a barriga pra cima
tentando driblar o calor. lembra dos filhos e de como são bons e
bonitos. você entra no banho e a água e o sabonete parecem limpar sua
alma. o dia pode não ser mais uma merda.
6 comentários:
A síndrome da indifererença ou do automatismo. De repente algo nos salva. Nem sempre, mas acontece. Há vida, ainda há.
Beijos,
Adriana, tem dias que a gente está assim mesmo. Não há banho que limpe essa oxidação cerebral.
Beijos
Manoel
a água batiza sempre
bom texto
Adriana,
que crônica linda! "faço minhas as suas palavras", a única diferença do nosso dia a dia é que você coloca o que há de mais importante, a poesia, só isso, a poesia! O seu fica esticado com a barriga pra cima, a minha gata dorme, sonha e ronrona ao meu tempo no sofá.
Adriana, felizmente as coisas passam,sempre bela a sua fala, beijo.
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