irmãos na noite espalhados
na casa da velha mãe
hoje não é festa, não é aniversário
e surge a pergunta mortal
quem vai ficar com ela?
como se ela não pensasse
como se ela fosse a carga mais pesada
a mãe poderosa infalível
mas memória falha
mergulha nas suas sombras
nos seus medos e sofre
por que meus filhos estão aqui?
queria afagá-los
queria carregá-los no colo
queria alimentá-los e enchê-los de alegria
os filhos como morcegos agitados
começam a se debater
quem vai ficar com ela, a mãe?
uns esbarram as asas frágeis nos outros
uns tentam perfurar o coração dos outros
uns se acham insubstituíveis
são líderes, poderosos, ou mais sábios
outros apenas ouvem calados o que se fala
e no fundo do corredor, em seu quarto,
a mãe adormece, preocupada com suas crias
o cansaço da vida faz doer o seu corpo
as suas pernas são quase inúteis
e no seu peito o coração metálico
marca os seus passos dia a dia
e nessa noite ela sonha
sonha com a família em volta da mesa
as conversas intermináveis,
os risos, as piadas, as brigas, a comilança
seus filhos não cresceram tanto
e o seu velho companheiro ainda esta lá
nessa noite, ela sonha
os morcegos, suas crias, levantam voo
cada um com a sua culpa, cada um com o seu pecado
imaginam que poderiam cantar uma canção
que embalasse o sono de sua mãe
essa mulher que tanto amam
que guarda tantos segredos
mas não sabem como
e choram
suas asas pesam
como se carregassem a humanidade inteira
como se já estivessem definitivamente
presos em suas cavernas mais escuras
(texto republicado)
22 comentários:
DRI!
Chorei, viu?
Sei que um dia vou ouvir isto, mas com a certeza que ninguém vai querer.
Passei isto com minha mãe e meu pai. Oito filhos. Só eu fiquei. E como foi bom. Não me arrependo dos empregos que perdi e de todas as brigas pela minha dedicação à eles.
Lindo! Maravilhoso, mas chocante!
Beijos
Mirze
Maravilhoso. Lembrou-me de um monte de coisa... de Clarice Lispector.
Que excelente poeta vc é.
Parabéns!!!
Minha querida poeta, já havia lido este texto/poesia,tristemente real, maravilhoso e que certamente trata de algo que um dia também nos atingirá, lembro -me de uns versos de Z. Ramalho que diz algo assim:
"Compareceram em chamas
Estrangularam as falas
Carbonizaram miúdos
Perpetuaram-se em galas
Filhos de Freud
Filhos de Marx
Filhos de Brecht
Filhos de Bach
Filhos do câncer
Filhos de Getúlio
Filhos do Carbono
Filhos de Lampião
Filhos do Carbono
Filhos de Lampião
Se fosse fácil todo mundo era
Se fosse muito todo mundo tinha
Se fosse raso ninguém se afogava
Se fosse perto todo mundo vinha
Se fosse graça todo mundo ria
Se fosse frio ninguém se queimava
Se fosse claro todo mundo via
Se fosse limpo ninguém se sujava
Se fosse farto todos satisfeitos
Se fosse largo tudo acomodava
Se fosse hoje todo mundo ontem
Grande beijo.
mas, ainda assim, "só as mães são felizes".
bjs!
Dri, sou um pouco mais teu fã, agora. Texto maravilhoso... Bjs
Tão intenso, tão profundo! Demais, Dri!
Beijo.
É o tipo de coisa pelo qual nenhuma mãe quer passar, não? Muito belo o poema. Abraços.
Nenhuma mãe quer passar, mas passam as mães quem sabe os pais... Só sei Dri, que a gente, filho vai se perguntando, e tentando cantar e ninar e fugir do tanto que nossas asas pesam do peso de nossos pecados e nossa dúvida e dívida se estamos fazendo o certo para nós e/ou para eles, sei lá!
Quem vai ficar com ela, ou com ele, ou conosco?
Difícil responder, não é mesmo?
bjim
Andrea
ô adorei o que o Luciano Fraga postou, posso copiaar e usar em alguma coisa quando eu tiver que falar alguma coisa?Quem é Z.Ramalho????
Andrea
Dri
Já tinha gostado muito desta tua poesia quando foi publicada pela primeira vez. Agora relendo-a só posso confirmar a minha primeira impressão.
Triste realidade tão bem capturada por ti, infelizmente muito mais presente do que gostaríamos que fosse.
Bjs
Adriana, li alguns poemas seus e gostei. Vc é poeta.
Cheguei aqui através de amigos comuns. E voltarei.
Beijo.
Em adolescente, assisti a um "Caso especial" (ou coisa que o valha) na Rede Globo. Acho (memória falha) que era baseado num conto da ucraniana Clarice Lispector.
Bem, o seu poema se parece.
A ideia aterrorizante de uma velha sem o apoio da família sempre me vem à mente e ao coração...
Não sou exatamente uma velha, mas já sou quase velho e tenho um pé no pântano da depressão.
Felizmente, não estamos sozinhos neste mundo. Tenho filha e uma mulher. Sozinho eu me mataria rápido, rápido.
Gostei do poema e creio (ai, memória) que ainda não o lera.
Felicidades, cara!
(Parabéns pelo livro!!!)
Dri,
A noite ensombrece os [re]encontros.
Um beijo, amiga.
Adriana,
no seu perfil você diz: "sou um pouco do que escrevo, o resto, também gostaria de saber" eu não preciso saber mais nada sobre você e muito menos você, porque você É uma tremenda de uma poeta e isso já basta. Esse seu poema toca profundamente o o coração e a alma. Parabéns!
Mauro Lúcio de Paula
↓
A cri.adora as crias
e crê na dor.ida fé.ri da VIDA...
Plac! Plac Plac!
Este é um mais intensos que li por aqui!
Be:)os!
Toda uma história de vida, Adriana, dolorida, esfumaçando-se se sem alegria nenhuma.
Falaram em Clarice Lispector? É o conto Feliz Aniversário - mas Clarice é mais feliz, a dor na ficção é mais contida; você, na poesia, dói mais. Os morcegos não atenuam a dor.
Beijo.
Oi Adriana, muito obrigado pela consideração. O endereço é Rua Manoel Paschoal 17A, CEP 08150-000. Itaim Paulista - São Paulo -S.P.
Obrigado
Entrei aqui porque fiz minhas as suas palavras no comentário do mais recente poema de Pimenta, no Bar do bardo. Eu estava pensando exatamente o mesmo.
Bom, entrei aqui e fiquei, sinceramente, surpreendida com seu poema. Um poema forte, intenso. Parabéns!
Entrei aqui porque fiz minhas as suas palavras no comentário do mais recente poema de Pimenta, no Bar do bardo. Eu estava pensando exatamente o mesmo.
Bom, entrei aqui e fiquei, sinceramente, surpreendida com seu poema. Um poema forte, intenso. Parabéns!
"essa mulher que tanto amam
que guarda tantos segredos
mas não sabem como
e choram"
Fortíssimo, Dri!
Um beijo,
Doce de Lira
Imagina colocar a Lílian pra ler esse poema pro Arnaldo? Juro que ela não vai conseguir, mesmo depois de mil tentativas....assim como eu, q já chorei várias lendo ele de tão lindo que é esse poema seu feito pra minha sogrinha predileta.
Te amo cunhadão, cada vez mais,
Super beijo
Que forte. Emocionei.
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